Regulação

“GÁS NATURAL SE COLOCOU COMO O COMBUSTÍVEL DA TRANSIÇÃO”

Coordenador de Regulação da Eneva, Lucas Antoun explica desafios regulatórios para setor e avanços dos últimos anos

REDAÇÃO
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Os últimos 15 anos marcaram uma revolução no setor de gás natural, especialmente do ponto de vista da regulação. Desde a aprovação da chamada “Nova Lei do Gás”, em 2021, existe uma grande expectativa dos agentes do mercado de que o novo marco legal seja um indutor de investimentos. E é por isso que um dos maiores desafios colocados para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é avançar em uma efetiva regulamentação da lei aprovada três anos atrás.

Esse diagnóstico é compartilhado por Lucas Antoun Netto, coordenador de Regulação da Eneva, na qual trabalha desde 2018. Graduado em Economia e Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui mais de 8 anos em experiências profissionais no setor de energia, sempre com foco nas áreas de Regulação, Relações Governamentais e Políticas Públicas.

Em entrevista ao VDE, Antoun analisa os principais desafios para o setor de gás natural, analisa o contexto histórico das últimas duas décadas e aponta qual é o grande diferencial do Brasil em seu desafio de transição energética: a complementariedade de fontes energéticas.

Confira:

Quais os avanços obtidos pelo setor de gás natural nos últimos tempos?

Embora ainda haja lacunas a serem resolvidas, entendo que o grande avanço tenha sido no arcabouço jurídico-regulatório. Isso porque, apesar da ANP ter sido fundada em 1998, apenas em 2009 foi aprovada a primeira “Lei do Gás”, sugerindo maior foco para regulação de gás natural.

Como desdobramento da lei, a curva de aprendizagem sobre o tema se intensificou e, sobretudo a partir de 2016, os desafios setoriais passaram a ser cada vez mais debatidos entre governo e entidades de classe. Essa mobilização contribuiu para inúmeros avanços recentes no setor, como a celebração do “TCC do Gás” entre Petrobras e CADE, em 2019, e a aprovação da “Nova Lei do Gás”, em 2021.

"A viabilização do mercado de gás desejado para o Brasil ainda depende da efetiva regulamentação da Nova Lei do Gás por parte da ANP. Esse pode ser um grande avanço para um ambiente de negócios próspero e organizado, com produtores, comercializadores e consumidores interagindo de forma competitiva e desburocratizada, com variedade de produtos e menores preços."

Lucas Antoun Netto

Coordenador de Regulação da Eneva

Quais são os principais desafios enfrentados pelo setor hoje?

Os desafios são diversos, mas pensando no mercado desejado de gás natural, o foco da regulação da ANP deveria ser em liquidez, competitividade e transparência. Muitas vezes lembramos da regulação pelo seu poder de restringir, mas é fundamental enxergá-la, também, como capaz de incentivar comportamentos e organizar mercados: é onde entra a ANP, que possui capacidade técnica e institucional de assumir o protagonismo para promover alterações nessa direção.

O que é preciso fazer para superá-los?

A regulação precisa avançar. A bem da verdade, é preciso reconhecer o desafio exponencial da ANP em estruturar – no curto prazo e entre as pressões do governo e da indústria – uma regulação moderna, eficiente e responsiva para os entraves à abertura de mercado. E de fato, é muito difícil o timing do aprimoramento regulatório acompanhar o timing do apetite comercial. Mesmo assim, na linha da liquidez, da competitividade e da transparência, sugeriria que alguns temas fossem priorizados, como a promoção da entrada de novos agentes no mercado (gas release), a criação de mecanismo para redução de custo dos produtos spot, o progresso na interconexão e integração entre transportadoras, a definição de requisitos operacionais entre termelétricas e transportadoras, entre outros.

Qual o recado a se passar a segmentos que são contrários à visão de que o gás natural é o combustível de transição? Haveria dados para sustentar os principais argumentos?

Antes de falar especificamente do gás natural, é preciso pontuar que o setor de energia brasileiro ostenta, em 2024, uma renovabilidade que o mundo espera, um dia, atingir. Nossa oferta interna de energia é 47% renovável, quando no mundo é 14%; nossa matriz elétrica é 92% renovável, quando no planeta é 26%. Por isso, diferentemente da realidade europeia, que em geral pauta o debate sobre mudanças climáticas no mundo, no Brasil o setor de energia não é um desafio à descarbonização (e sim o controle das emissões por mudança de uso da terra e floresta). Mesmo assim, o setor tem progredido em tecnologias de baixo carbono e em discussões para conversão de combustíveis.

Isso ganha especial destaque em uma economia em eletrificação. Vamos consumir cada vez mais eletricidade e, como nossa geração é altamente renovável (92%), demandaremos constante complementação termelétrica. Isso impede o país de prospectar um futuro, ao menos no curto prazo, que desconsidere combustíveis fósseis.

E entre os combustíveis fósseis, o gás constantemente é a melhor opção. O fator de emissão do gás natural é 47% inferior ao carvão e 27% inferior ao óleo combustível. Ou seja, ele pode substituir outras fontes fósseis e reduzir a pegada de carbono dos empreendimentos (gerando, no limite, créditos de carbono às empresas).

"Os dados não mentem: o gás natural se colocou como “combustível da transição” por ser o combustível fóssil que melhor alia segurança energética, emissões e preço. No Brasil, inclusive, o fator preço ainda pode melhorar muito com os incentivos regulatórios corretos. Por isso, é hora de discutir como transformar esses recursos em riqueza e energia abundante e barata."

Lucas Antoun Netto

Coordenador de Regulação da Eneva

Que atores (pessoas e instituições) são importantes ser ouvidos nesse conteúdo na defesa do gás natural como combustível de transição?

Se por um lado o setor de energia é muito complexo, por outro ele também tem pensadores, profissionais e instituições relevantes para debater seu futuro. Acho importante conferir protagonismo a eles, e destaco o papel do Instituto Pensar Energia nesse aspecto. Apesar da iniciativa ser recente, ela já foi capaz de reunir uma curadoria interessante de agentes setoriais (inclusive para debater o gás natural como combustível de transição).

"Os dados não mentem: o gás natural se colocou como “combustível da transição” por ser o combustível fóssil que melhor alia segurança energética, emissões e preço. No Brasil, inclusive, o fator preço ainda pode melhorar muito com os incentivos regulatórios corretos. Por isso, é hora de discutir como transformar esses recursos em riqueza e energia abundante e barata."

Lucas Antoun Netto

Coordenador de Regulação da Eneva

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