O QUE O CONSUMIDOR PRECISA SABER SOBRE A CONTA DE LUZ
Especialistas ouvidos pelo VDE analisaram a complexidade dessa cobrança e ajudam os consumidores a entender sua fatura de energia elétrica
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou na última quarta-feira (4) o acionamento da bandeira vermelha patamar 1, adicionando R$ 4,46 a cada 100 kWh de eletricidade consumidos. Essa medida reforça a necessidade de os consumidores entenderem melhor os fatores que influenciam o valor da conta de luz. Além do custo direto da energia, a fatura inclui uma série de outros encargos e subsídios que muitas vezes não são evidentes, mas que tornam o custo final mais oneroso.
Um dos principais componentes que elevam o preço da conta de luz são os encargos e subsídios destinados a fontes renováveis de energia, como eólica e solar, e políticas de universalização do serviço de energia. Em 2023, esses subsídios (R$ 44 bilhões), juntamente com os impostos, totalizaram R$ 102 bilhões, representando 44% do valor da conta de energia. Enquanto esses subsídios apoiam a transição para fontes mais sustentáveis, eles também elevam o custo para os consumidores finais.
O projeto de lei das eólicas offshore (PL 11.247/2018), atualmente em discussão no Congresso, pode agravar ainda mais essa situação, ao potencialmente aumentar os custos com subsídios para a produção de energia eólica em R$ 25 bilhões, elevando, consequentemente, o valor final da conta de luz para os consumidores.
O papel das termelétricas
Diferente do que se costuma pensar, as termelétricas não são as principais responsáveis pelo encarecimento da conta de luz. Elas desempenham um papel fundamental no sistema energético brasileiro, especialmente durante períodos de seca, quando as hidrelétricas têm sua capacidade de geração reduzida. As termelétricas, apesar de serem mais caras de operar, funcionam como um seguro e garantem uma fonte de energia constante, evitando apagões e mantendo a estabilidade da rede elétrica.
O acionamento das termelétricas é uma medida necessária para compensar a intermitência das fontes renováveis, como solar e eólica, que dependem das condições climáticas.
Impacto dos subsídios e impostos na conta de luz
De acordo com Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), há um crescente descompasso entre o baixo custo da geração de energia e o alto preço final pago pelos consumidores na tarifa de energia elétrica. “As tarifas no Brasil estão acima da média mundial, o que é elevado para um país de renda média como o nosso”, comenta Castro.
Ele atribui esse descompasso à variedade de subsídios que são cobertos pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo setorial criado em 2002 para promover o desenvolvimento energético no país, mas que, ao longo dos anos, perdeu seu foco original, especialmente a partir de 2017. Entre os subsídios cobertos pela CDE estão o financiamento de fontes alternativas, a universalização do serviço de fornecimento de energia elétrica e a tarifa social para consumidores de baixa renda. “Entretanto, para que a CDE seja eficaz, é necessário que sejam observados fatores importantes, como indicadores quantitativos e avaliação dos resultados”, acrescenta Castro.
Como são calculados os custos na conta de luz?
A conta de luz é composta por diversos custos que viabilizam o fornecimento de energia elétrica. Isso inclui a compra de energia de diferentes geradoras – hidrelétricas, solares, eólicas e térmicas –, gastos com transmissão e transporte de energia, além dos custos operacionais das empresas de distribuição que entregam a energia ao consumidor final. A conta também incorpora tributos e encargos, como PIS/COFINS (federal), ICMS (estadual) e a Contribuição de Iluminação Pública (municipal). Esses tributos são recolhidos pelas distribuidoras, independentemente de as contas serem pagas ou não.
Luiz Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, destaca que, embora seja correto que as distribuidoras recolham os tributos, há um problema quando essas empresas são obrigadas a fazer o recolhimento mesmo se as contas não forem pagas.
Priscila Morgon Arruda, pesquisadora do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), concorda, enfatizando que a carga tributária que recai sobre o consumidor é alta e deveria considerar a energia elétrica como um serviço essencial, aplicando alíquotas menores conforme a essencialidade do serviço.
Transparência e clareza na conta de luz
Tanto para Barata quanto para Priscila, a conta de luz é complexa e falta clareza na apresentação dos custos que a compõem. “É difícil para o consumidor entender e destrinchar a conta de energia elétrica”, diz Barata, acrescentando que a Frente Nacional está desenvolvendo um trabalho para ajudar os consumidores a compreender melhor esses custos. Priscila também aponta a falta de transparência nos cálculos dos custos associados aos tributos e encargos, o que contribui para a dificuldade de compreensão. “O uso de termos técnicos e siglas do setor elétrico, sem explicação adequada, também torna difícil para o consumidor entender sua fatura”, explica.
Iniciativas para melhorar a compreensão do consumidor
Priscila sugere que a conta de luz seja mais didática e transparente, com discriminação detalhada dos valores cobrados e explicações claras de como os custos são calculados. Ela também recomenda o uso de linguagem simples, esquemas ilustrativos e a inclusão de seções para destacar as informações mais importantes. Algumas distribuidoras já começaram a lançar novos modelos de conta de luz, mas ainda faltam melhorias na apresentação dos dados necessários para a reprodução dos cálculos que resultam no valor a ser pago.
Diferenças nas tarifas e como o consumidor pode economizar
Segundo dados levantados pelo Idec, a diferença de valores cobrados pelas distribuidoras, sem os tributos, pode chegar a 224%. Além dos custos de geração e distribuição de energia e encargos, outros fatores, como perdas técnicas (dissipação) e não técnicas (furto, fraude e erro de medição), também influenciam as diferenças nas cobranças entre as distribuidoras de energia.
Direitos do consumidor de energia
A Resolução Normativa nº 1.000/2022 da Aneel especifica os direitos e deveres do consumidor de energia elétrica, desde as regras para contratação de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN) até as condições de fornecimento e os procedimentos comerciais no sistema de bandeiras tarifárias. Em caso de dúvidas ou reclamações sobre a conta de luz, o consumidor deve primeiro procurar sua distribuidora de energia e, se necessário, recorrer aos canais de atendimento da Aneel.
Sistema de bandeiras tarifárias: como funciona?
O sistema de bandeiras tarifárias, implementado pela Aneel em 2015, ajuda os consumidores a entender os custos reais de geração de energia em diferentes períodos, incentivando um consumo mais consciente. A bandeira vermelha patamar 1 foi ativada devido à previsão de chuvas abaixo da média, o que deve reduzir o nível dos reservatórios das hidrelétricas e aumentar a necessidade de acionamento de termelétricas, que têm um custo mais elevado. Antes da criação das bandeiras, o repasse dos custos operacionais ocorria apenas nos reajustes tarifários anuais, sem um sinal de preço que incentivasse a economia.
Assista ao vídeo e entenda o sistema de bandeiras:
Dicas para economizar energia
Os consumidores podem adotar várias medidas para economizar energia, como tomar banhos mais curtos, usar o ar-condicionado de forma eficiente e reduzir o uso de eletrodomésticos em stand-by. Essas práticas simples podem resultar em economias significativas, ajudando a mitigar os impactos dos custos adicionais na conta de luz.
O caminho para uma Conta de Luz mais justa
A conta de luz é mais do que apenas o custo da energia consumida. Ela reflete a complexidade de um setor que busca equilibrar a expansão das renováveis, a segurança energética e a acessibilidade. Para que o consumidor possa gerenciar melhor seu consumo e entender os fatores que influenciam sua fatura, é essencial que as informações sejam apresentadas de forma clara e transparente, o que parece exigir uma comunicação mais clara e didática por parte das distribuidoras e do governo. Enquanto isso, o debate sobre a alocação dos subsídios e a carga tributária continuará a ser um ponto crítico para garantir um sistema energético justo, eficiente e acessível para todos.