Transição Energética

CUSTO E CONFIABILIDADE DO FUTURO SUPRIMENTO DE ELETRICIDADE

Em artigo, Armando de Araujo, especialista no setor elétrico, apresenta desafios sobre abastecimento de eletricidade

Armando Ribeiro de Araujo
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Muita discussão tem havido sobre os riscos do suprimento de eletricidade e sobre os custos para os consumidores. Vários aspectos desse suprimento realmente necessitam ser ajustados. Particularmente já escrevi alguns artigos sobre alguns desses aspectos. Neste artigo, no entanto, vamos convidar a uma discussão mais abrangente, sobre a grande modificação que a transição energética traz para o custo da eletricidade e a confiabilidade do suprimento.

Por mais de um século tivemos o serviço de eletricidade baseado em fontes chamadas convencionais: hidrelétrica e termelétrica (carvão, gás, petróleo e nuclear). Essas fontes dispõem de capacidade de controle da geração e podem, exceto a nuclear, estocar sua fonte primária (água ou combustível). Possuem também inércia de seus geradores para estabilidade do sistema.

Portanto, são fontes que possuem capacidade de seguimento da carga (que varia constantemente), controlando a geração para equilíbrio entre geração e carga e controle de tensão, reserva girante para controle de frequência, e reserva de energia (com estoque de água ou combustível).

A chamada transição energética trouxe a obrigação de reduzir e, a médio prazo, eliminar as fontes que utilizam combustíveis fósseis. A pesquisa em busca de fontes alternativas resultou em um grande desenvolvimento de plantas eólicas e solares fotovoltaicas. As unidades eólicas tiveram enorme evolução em aumento de capacidade e redução de custos. E fotovoltaicas tiveram drástica redução de custos, sendo, atualmente, as fontes de menor custo de investimento. Conclusão: será inevitável a forte participação de eólicas e fotovoltaicas no parque gerador do futuro.

A transição energética não está apenas trazendo mudanças para a geração de eletricidade mas também criando enorme incremento de cargas, algumas com exigências especiais de confiabilidade. Assim, a substituição de combustíveis fósseis está transformando a frota de veículos para elétricos (VE), transporte público deve seguir igual caminho, edifícios modernos deverão passar a usar eletricidade para cocção e aquecimento de água, várias indústrias passarão a usar eletricidade no lugar de combustível fóssil, e a indústria digital necessitará dos chamados “data centers” com alta demanda e suprimento de alta confiabilidade.

Outra grande modificação nas cargas resulta da introdução da geração distribuída (GD). A redução dos custos dos painéis fotovoltaicos trouxe aos consumidores a possibilidade de gerar parte importante de seu consumo de eletricidade. Esse movimento tende a se intensificar. Porém, a forma como a GD tem sido implantada resulta em aumento de custos e riscos para o sistema elétrico. Ao gerar seu próprio consumo e um excedente introduzido no sistema para seu uso quando a fotovoltaica não tem mais capacidade de gerar, o consumidor com GD, na verdade, usa o sistema como seu armazenador de energia. Portanto, quem armazena tal energia terá que fazer investimento para ter capacidade de gerar energia para efetuar a devolução da energia recebida. Além disso, em momentos de instabilidades no sistema a GD, pode prejudicar em vez de ajudar.

Grande desafio para o setor elétrico. Capitalizar investimentos para modernizar as fontes e ter capacidade para atender com confiabilidade esse aumento de cargas adicionais.

E o que muda?

Muda bastante, não apenas no montante de investimentos necessários, mas principalmente quanto às características dessas novas fontes, eólica e fotovoltaica com forte participação no sistema.

Eólicas produzem eletricidade pelo movimento de suas pás impulsionadas pelo vento, e, portanto, sem capacidade de variar a energia gerada. Ocorre também, a possibilidade de total paralisação da geração caso os ventos tornem-se de muito baixa intensidade ou vendavais, quando a unidade é bloqueada.

Portanto, diferentemente das fontes convencionais acima referidas, as eólicas não possuem capacidade de seguimento da carga com controle da geração para equilíbrio entre geração e carga, nem controle de tensão, reserva girante para controle de frequência, ou reserva de energia. Por isso é denominada intermitente.

Fotovoltaicas produzem eletricidade diretamente pela ação da luz solar sobre painéis específicos. Igualmente ao caso das eólicas, elas possuem as mesmas características de intermitência. Porém, no caso fotovoltaico o bloqueio de geração perdura por várias horas, ou seja, horas sem presença da luz solar. Portanto, a necessidade de reserva de energia é substancial.

Devido ao baixo custo de investimento, as fontes intermitentes são as substitutas naturais para as fontes a combustível fóssil. Assim, o sistema elétrico do futuro deverá ter forte participação dessas fontes e a sua intermitência traz a necessidade de investimentos adicionais para que o sistema tenha reservas de energia para o suprimento continuado das cargas, e reservas operacionais para manter a confiabilidade do suprimento.

Para reserva de energia, existem várias pesquisas no mundo buscando solução para reserva de longa duração. Até hoje, usinas hidrelétricas com reservatório e hidrelétricas reversíveis são soluções comprovadas. Baterias tiveram grande desenvolvimento tecnológico e drástica redução de custos, mas ainda possuem limitação quanto a servir como reserva de longa duração. Assim, a esperança resta no encontro de melhores soluções nas pesquisas em curso, caso contrário, a solução de baterias resultará em custos adicionais fortes.

Para reserva operacional, usinas hidrelétricas com reservatório e hidrelétricas reversíveis são soluções comprovadas. Baterias, também podem auxiliar bastante para este tipo de reserva. Porém, a operação torna-se muito mais complexa e muito mais dependente do sistema de transmissão.

No caso das hidrelétricas em sistema com forte participação de intermitentes, sua operação muda completamente da forma como operava como fonte convencional. No passado, os reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN) eram adequados para prover regulação plurianual, com período hidrológico crítico para vários anos. Com o início da operação das fontes intermitentes, o regime operacional das hidrelétricas modificou-se com o deplecionamento mais frequente dos reservatórios. Atualmente a regulação não suporta mais um ciclo hidrológico plurianual. E, com o aumento da participação de intermitentes, essa regulação caminhará para um ciclo talvez inferior ao anual. Essa modificação da operação das hidrelétricas traz preocupação quanto aos efeitos do fluxo de água nos rios, podendo ocasionar prejuízos a outros usuários ou terrenos lindeiros ao rio.

Assim fica o desafio. O que seria possível fazer para que a Transição Energética não resulte em eletricidade de custo mais elevado e uma operação do sistema mais complexa e, portanto, com maiores riscos.

Armando Ribeiro de Araujo É engenheiro eletricista com mestrado e doutorado, foi diretor de Procurement Policy do Banco Mundial, secretário nacional de Energia do Ministério de Infraestrutura, presidente da Eletronorte, membro do Conselho de Administração de Itaipu, Furnas, Chesf e Eletronorte. Atualmente presta serviços de consultoria.

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