Carlos Martins, Presidente do Conselho de Administração da ACX Brasil
Foto: ACX Brasil/Divulgação
Crédito de Carbono

ACX BRASIL VÊ FUTURO PARA PETRÓLEO COM BAIXA EMISSÃO DE CARBONO

Carlos Martins, da ACX Brasil, fala sobre rumos na implementação do mercado de bolsas de créditos de carbono no Brasil e no mundo

REDAÇÃO
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Embora o Brasil tenha uma matriz energética rica em biocombustíveis, o país pode se tornar um grande exportador de petróleo, especialmente se a exploração na Margem Equatorial for autorizada. Essa é a opinião do engenheiro Carlos de Mathias Martins, presidente do Conselho de Administração da ACX Brasil, braço de uma das maiores bolsas de créditos de carbono global. Em entrevista ao VDE, Martins, que é investidor no mercado de energias renováveis e créditos de carbono desde 2000, afirma que o Brasil será um país petroleiro a partir do próximo ano. “As nações não vão deixar de consumir combustíveis fósseis”, declara.

Ele defende que, se o petróleo brasileiro tiver uma menor intensidade de carbono em comparação com o de outros países, sua exploração pode ser justificada como parte da transição energética. Além disso, Martins prevê que a energia nuclear terá um papel predominante no futuro energético do Brasil, sugerindo que o país deveria se preparar para uma matriz elétrica dominada por fontes nucleares nas próximas décadas.

Segundo ele, nas negociações internacionais do mercado de carbono, é natural que os países queiram manter suas vantagens comparativas e negociar o melhor acordo possível para manter relevância no comércio global. Martins destaca que as negociações internacionais sobre o mercado de carbono são, em essência, negociações comerciais. Ele observa que os países buscam manter suas vantagens competitivas, transformando acordos ambientais em acordos comerciais que garantam a relevância no comércio global. Um exemplo disso é a negociação dos países produtores de petróleo, que defenderam a redução gradual do uso de combustíveis fósseis (phase down) em vez de uma eliminação completa (phase out), assegurando assim a continuidade de seus interesses econômicos.

Martins expressa preocupação com a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, apontando três desafios principais. Primeiro, ele destaca que tratar o crédito de carbono como um valor mobiliário pode resultar em custos elevados de conformidade, o que poderia desincentivar a participação no mercado. Segundo, ele critica a possível fungibilidade entre o mercado regulado e o voluntário, alertando que isso poderia comprometer a soberania do Brasil. Por fim, Martins ressalta a importância de incluir o agronegócio no marco regulatório, argumentando que sua exclusão pode gerar custos significativos no futuro.

Ele defende que a legislação não onere o ativo ambiental “crédito de carbono” com custo de observância – que recaem sobre os regulados para o cumprimento das obrigações exigidas – muito alto. Além disso, Martins alerta que o país não deve se vincular ao mercado voluntário sob risco de abrir mão de sua soberania. Confira a entrevista:

 

Quais as principais questões que vê nas discussões sobre a implementação do mercado de carbono no mundo?

O principal aspecto em jogo nas discussões sobre mudanças climáticas e o mercado de carbono global tem a ver com todo um conceito de comércio global. Os acordos climáticos começam como acordos ambientais e terminam acordos comerciais. Então, a grande discussão é sobre os países desejarem manter suas vantagens comparativas para poder explorar eventualmente essas vantagens, trazendo divisas, receitas e mercado para seus países e suas empresas. Então, no tabuleiro global, as nações querem negociar o melhor acordo possível para manter a sua relevância no comércio global. Por exemplo, os países petroleiros defenderam e ganharam o chamado face down da utilização de combustíveis fósseis, ou seja, a diminuição, em detrimento do face out, que seria cessar completamente a utilização de combustíveis fósseis.

Como o Brasil tem se posicionado nesse contexto?

Importante notar que o Brasil vai virar, no ano que vem, um país petroleiro e a pauta de exportação brasileira mais importante vai ser o petróleo. Então, nós também estamos nesse jogo.

Importante notar que o Brasil vai virar, no ano que vem, um país petroleiro e a pauta de exportação brasileira mais importante vai ser o petróleo. Então, nós também estamos nesse jogo.

Carlos Martins

Presidente do Conselho de Administração da ACX Brasil

Quais são as grandes oportunidades e como o país pode aproveitá-las?

O Brasil tem uma matriz elétrica com baixa intensidade de carbono, e isso é uma vantagem comparativa importante. O país consegue produzir hoje um motor elétrico com a menor intensidade de carbono embarcada no produto, porque as nossas cadeias produtivas gozam de uma oferta de biocombustíveis. Isso acaba sendo embarcado no motor elétrico que pode ser eventualmente exportado para Europa.

Um segundo aspecto importante é que o Brasil é um grande emissor de CO2. Está entre os cinco maiores emissores de CO2 e essa emissão é majoritariamente, quase 50%, por causa do desmatamento. Metade desse desmatamento é o ilegal na Amazônia e a outra metade é majoritariamente de desmatamento legal no Cerrado.

O custo marginal para parar de desmatar a Amazônia é muito baixo. Então, essa é uma outra vantagem que o Brasil tem, que é manter esses créditos de carbono no país e baixar as nossas emissões. Defendo que, em vez de exportar os créditos de carbono mais baratos de cessar o  desmatamento na Amazônia, o Brasil crie o marco regulatório e que esses créditos sejam comercializados no mercado local. O país deveria exportar somente os créditos mais caros. É nesse contexto que eu vejo o Brasil se posicionando. Ao contrário do que muita gente fala, de que o Brasil deve ser um grande fornecedor de crédito de carbono para o mundo, eu defendo que o Brasil tem que manter esse crédito de carbono aqui.

Como avalia a implementação do mercado de carbono no Brasil?

Vejo a implementação do mercado de carbono com cautela. Existem alguns entraves inerentes a qualquer regulação. O mercado precisa ser regulado, você precisa consultar o Congresso e, obviamente, existem interesses difusos que precisam ser superados para que o projeto de lei possa ser eventualmente aprovado. Eu vejo três pontos importantes em projetos de lei em tramitação.

Defendo que a legislação não onere o ativo ambiental crédito de carbono com custo de observância muito alto. Isso é um ponto muito relevante que acho que é subestimado. Os projetos de lei consideram crédito de carbono um valor mobiliário. O custo de observância de um valor mobiliário é muito alto. O custo de observância é a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Ao se tratar o crédito de carbono como um valor mobiliário, exige-se um arcabouço regulatório que onera o sistema e acaba sendo vantajoso em alguns aspectos para o mercado financeiro, que vai cobrar um pedágio para adequar esses projetos de carbono para que sejam tratados como valores mobiliários. Um segundo aspecto a se considerar é toda a papelada inerente à tramitação de um valor mobiliário no marco regulatório do setor financeiro brasileiro. Eu vejo tudo isso com cautela. Tenho receio de que esse custo de observância onere demais o mercado que está sendo formatado no país.

O segundo ponto é que os projetos de lei preveem algum tipo de fungibilidade do carbono no marco regulatório brasileiro com o mercado voluntário. Acho isso uma contradição. Ou você sobe a barra do mercado voluntário ou baixa a barra do mercado regulado. Isso não é de interesse do Brasil e não gosto disso, pois o país abre mão da sua soberania quando se conecta ao mercado voluntário. Hoje, as custódias, os reguladores, os padrões do mercado voluntário estão nos Estados Unidos, na Suíça, no Catar. Quando o Brasil faz isso, um percentual dos seus créditos de carbono serão tramitados, estruturados, emitidos, certificados fora do país.

E o terceiro ponto: é um erro o agronegócio não participar do marco regulatório do mercado de carbono. Em algum momento, a conta vai chegar para o agro e esse vai ser, eventualmente, o custo mais alto para o país. O agro é muito importante e seria melhor que o agro estivesse presente de alguma forma no marco regulatório que está sendo tramitado.

Foto: ACX Brasil/Divulgação

"O mercado precisa ser regulado, você precisa consultar o Congresso e, obviamente, existem interesses difusos que precisam ser superados para que o projeto de lei possa ser eventualmente aprovado."

Carlos Martins

ACX Brasil

Como vê o papel das fontes fósseis no cenário de transição energética e o que o país deve fazer para aproveitar adequadamente esse potencial?

Com relação à transição energética, o Brasil está muito bem posicionado. Nós temos uma oferta abundante de biocombustíveis, biometano que desloca o gás natural fóssil, biodiesel que desloca o diesel, etanol que desloca a gasolina. Então, o Brasil já está aproveitando esses aspectos inerentes de um país que é o país da fotossíntese. O Brasil é o país que transforma melhor a luz do sol, a água, as nossas fontes em energia. Todo esse ecossistema do país da fotossíntese é revertido a nosso favor.

O Brasil vai virar um país majoritariamente petroleiro nos próximos anos, se houver autorização para a exploração de petróleo na Margem Equatorial. Se isso acontecer, provavelmente, a pauta de exportação brasileira vai ser dominada pelo petróleo. Então, nós temos que tomar um pouco de cuidado, porque os países não vão deixar de consumir combustível fóssil.

Se a intensidade de carbono do petróleo explorado no Brasil for mais baixa do que, por exemplo, dos países produtores e exportadores de petróleo, o país deveria, sim, explorar esse petróleo. Em algum momento esse petróleo com menor intensidade de carbono vai deslocar petróleo com maior intensidade de carbono produzido em outros países.

Acredito que a transição energética também deva ser abordada dessa forma, e tenho certeza que as autoridades brasileiras estão atentas a essa questão.

No cenário de transição energética daqui a 20 e 30 anos, a energia nuclear será predominante. Não vejo muito debate com relação a esse futuro relativamente próximo. Não faz sentido abrir mão de produzir energia virtualmente de emissão zero, com baixo risco social e ambiental, que é o caso da energia nuclear. Eu gostaria que o Brasil também se posicione nessa transição para daqui a 50 anos, com eletricidade majoritariamente de fontes nucleares.

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"O mercado precisa ser regulado, você precisa consultar o Congresso e, obviamente, existem interesses difusos que precisam ser superados para que o projeto de lei possa ser eventualmente aprovado."

Carlos Martins

ACX Brasil

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