Presidente assina decreto do Gás para Empregar
Foto: Ricardo Botelho/MME
Exploração

INCERTEZAS MARCAM LANÇAMENTO DO GÁS PARA EMPREGAR

Setor produtivo recebeu proposta com pessimismo, mas beneficiários da nova política se empolgaram com decreto

REDAÇÃO
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As primeiras impressões sobre o programa “Gás para Empregar” ficaram longe de alcançar a unanimidade no setor energético. A proposta do governo, que busca aumentar a oferta de gás natural e reduzir o preço para o consumidor final, foi recebida com muito pessimismo pelo setor produtivo de gás, que evitou comentar publicamente suas impressões sobre a proposta. Por outro lado, associações que potencialmente se beneficiarão das medidas elogiaram o decreto.

Segundo os críticos, a medida traz lembranças a intervenções feitas pelo governo no passado, como a MP 579, editada em 2012 e que desestruturou o setor de energia elétrica em troca de uma falsa promessa de queda na conta de luz. O temor é que a ação intervencionista crie um efeito contrário ao que busca o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Palácio do Planalto, afastando a livre concorrência e, por consequência, reduzindo a oferta de gás.

Para Karina Santos, advogada da área de Sustentabilidade Corporativa do Gaia Silva Gaede Advogados, o decreto dessa semana tem um paralelo com a MP 579: ambas são tentativas equivocadas de baratear preços.

“Eu entendo que ambas as medidas não o fazem da forma mais adequada. A gente não pode ter uma remodelagem de um setor via decreto. Isso deveria ser feito via lei, deveria observar os atos jurídicos perfeitos e ser debatido com os players do mercado, que recebem essas normas que foram publicadas hoje com bastante preocupação”, avalia Karina.

Ela explica que o decreto do Gás para Empregar empodera a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para firmar um instrumento chamado Termo de Ajustamento de Conduta caso o regulador identifique indícios ou medidas que dificultem a abertura desse mercado e a liquidez dele. O problema é que isso valeria também para contratos de médio e longo prazo já vigentes, que consideraram planos de negócios estabelecidos sob outro marco regulatório.

 “Quando falamos de uma regulação superveniente, que é o que está acontecendo, os contratos precisam se adequar a evolução regulatória, mas não dessa forma”.

Karina Santos

senior manager da área de Sustentabilidade Corporativa da Gaia Silva Gaede Advogados

O economista Cláudio Frischtak, presidente da consultoria InterB, destaca que, apesar de a medida estimular o mercado de gás, seu impacto é bastante limitado. Em sua visão, os recursos seriam mais efetivos se focassem em estímulo a investimentos no setor. “Iniciativas voltadas ao incentivo ao consumo, embora sejam mais fáceis de implementar e de resultados em tese imediatos, no longo prazo, são bem menos efetivas para o crescimento desse mercado”, diz.

Alexandre Calmon, sócio da área de Energia e Recursos Naturais do escritório Campos Mello Advogados, lembra que o decreto é fruto de um grupo de trabalho criado no ano passado pelo MME e que a proposta apresentada pelo governo pode trazer avanços na agenda regulatória e destravar investimentos.

Ele lembra que um dos pontos do decreto trata da redução da reinjeção nos campos offshore. “Caberá à Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com seus estudos técnicos, mostrar é possível produzir e distribuir gás de forma competitiva sem motivo para reinjeção”, aponta Calmon.

“É natural haver críticas e até rejeição do mercado porque não havia qualquer regra para redução da injeção e agora haverá. Mas a proposta do MME segue uma lógica econômica e terá por base critérios técnicos”, afirma.

“Pode haver discussão sobre os limites do decreto – o documento não pode contrariar ou extrapolar o que é definido por lei – mas há que se considerar que os princípios da lei do gás só podem ser alcançados com essas medidas. O decreto dá efetividade à lei”.

Alexandre Calmon

Sócio da área de Energia e Recursos Naturais do Campos Mello Advogados em cooperação com DLA Piper

Entre as associações, empolgação e silêncio

No setor energético, o novo decreto trouxe sentimentos mistos para associações e representantes da cadeia de produção e de consumo. A Associação Brasileira do Biogás (ABiogás) afirmou em nota que apoia a iniciativa Gás para Empregar e destacou pontos positivos, como a previsão de criação de um Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano.

“A infraestrutura de gás brasileira foi construída levando em consideração a produção de gás natural de origem fóssil e recebeu críticas por não interiorizar a oferta de gás, cuja demanda encontra-se em todo o território nacional. O biometano, por sua vez, está perto da demanda, pois é feito a partir de resíduos orgânicos do setor de saneamento e da agropecuária, que estão espalhados por todo o Brasil. O Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano vai considerar ambas as ofertas, e proporcionará o crescimento do mercado de gás, para além da costa nacional”, avalia a associação.

Já a ABRACE Energia, que representa grandes consumidores do setor elétrico, afirmou em nota que o regramento propõe ações para aumentar a oferta e a diversidade do mercado de gás natural e a competitividade do insumo, que é estratégico para a indústria. “Essa é uma oportunidade para definir claramente o papel da União na maximização da oferta nacional de gás natural, ao mesmo tempo em que empodera o regulador nas ações necessárias”, ressalta.

Contudo, a visão positiva desses players sobre a medida considerada intervencionista não contagiou totalmente o setor. Pelo contrário: o segmento produtivo de óleo e gás recebeu com desconfiança e pessimismo a nova medida, mas adotou cautela antes de se posicionar. O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em contato com o VDE, decidiu que vai primeiro avaliar internamente com as empresas associadas o decreto publicado para só então decidir que tipo de comunicado irá fazer.

Empresas do setor produtivo, seguindo a linha do IBP, também optaram pelo silêncio publicamente. Nos bastidores, contudo, acreditam na pouca efetividade do decreto ou na alta judicialização, visto que a falta de cuidado em pensar nos contratos vigentes pode gerar longos embates nos tribunais.

Além disso, há um temor no mercado quanto à capacidade da ANP de receber as novas atribuições. A agência reguladora, que já passou a lidar com mais responsabilidades em 2021, com a edição da chamada Lei do Gás, possui um déficit considerável em seu quadro de funcionários. O último concurso público do órgão foi realizado em 2015 e ainda não há edital autorizando a contratação de novos servidores.

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