CURTAILMENT: PESADELO OU ADVERTÊNCIA?
Muito se tem discutido nos últimos meses sobre como o corte de produção involuntário das usinas solares e eólicas (curtailment) tem afetado os resultados econômicos das empresas operadoras, com prejuízos concentrados em algumas delas. Diversos estudos tem quantificado este efeito. Os agentes tem pleiteado que o prejuízo seja assumido pelo mercado. Este artigo oferece um ponto de reflexão e uma visão um pouco distinta sobre o problema. Convida um leitor isento a avaliar se a discussão vem sendo travada com objetividade e rigor técnico necessários. Ou vem sendo (legitimamente ou não) influenciada por interesses daqueles que estão sendo financeiramente impactados? Ou talvez uma combinação de ambos Como separar o joio do trigo nesta guerra de narrativas? SÍNTESE DAS DISCUSSÕES Os números de curtailment são elevados e crescentes. Por exemplo, a média de cortes de geração das usinas solares localizadas no submercado Nordeste saltou de 4,8% no mês de abril para 34,8% no mês de setembro. Para as eólicas do Nordeste, a média dos cortes saltou de 2,2% em abril para 18,1%, no pico da “safra” dos ventos. FSET calculou que os cortes de geração acumulados representaram R$ 711 milhões para usinas eólicas e R$ 165 milhões para usinas solares. Os números são muito elevados. Ademais, existe também um problema de curtailment das usinas hidrelétricas, ainda em maior volume, em parte causado pela inflexibilidade das renováveis, fenômeno este que é igualmente desafiador. As hidrelétricas deixam de gerar energia turbinável e estão sujeitas a um funcionamento estilo “vaga-lume” para compensar a volatilidade da produção de renováveis. O curtailment das hidrelétricas ganha menos atenção na imprensa, talvez porque exista um mecanismo de rateio de lucros e prejuízos, o chamado MRE, o qual faz parte das regras de mercado desde 1997 e “socializa” lucros e prejuízos. Em não sendo possível otimizar o conjunto de recursos renováveis existentes, com frequência a geração térmica tem que ser despachada para prover a flexibilidade necessária, e por muitas horas. Todos estes elementos se somam aumentando o custo de energia ao consumidor. Novas linhas de transmissão, já previstas, podem aliviar os cortes, mas há um receio de que não vão resolver o problema de forma definitiva. O curtailment veio para ficar. As usinas afetadas alegam não ter culpa pois não tem controle sobre o processo de despacho que é centralizado pelo ONS, o guardião do sistema, que busca lograr o mínimo custo com uma confiabilidade desejada. Portanto, entendem os agentes que os custos de curtailment deveriam ser compensados, e que a forma mais “eficiente” de fazê-lo é repassando-os aos consumidores via mecanismos que já existem e que poderiam ser facilmente adaptados, via a assim chamada operação constrained on/off, recuperados via ESS. Existem países que tem reconhecido este problema e compensado as partes afetadas. [i] Logo, o Brasil deveria seguir estes exemplos, afirmam muitos agentes. Os mesmos agentes entendem que as regras da ANEEL não reconhecem devidamente o mérito e a necessidade deste ressarcimento, o que tem levado a uma série de questionamentos e o início de um processo de judicialização, que pode levar a um imbróglio regulatório e jurídico. A continuar assim, comentam alguns agentes, investimentos que estão no pipeline vão ser freados ou mesmo cancelados. Desta forma, a crise já existente do setor de renováveis, principalmente a da geração eólica, deverá se agravar.