KELMAN E MELLO: MATRIZ ELÉTRICA IDEAL ESTÁ EM CONSTANTE EVOLUÇÃO
Ex-presidente da Aneel e CEO da Thymos Energia debatem melhoria do modelo de cobrança para ser mais equilibrado e justo
No terceiro episódio do videocast “Iluministas”, o tema central gira em torno da busca pela matriz elétrica ideal para o Brasil. Conduzido pelo jornalista Roberto Rockmann e pela advogada Juliana Melcop, especialista em energia elétrica, o episódio conta com a participação de renomados especialistas do setor: João Carlos Mello, CEO da Thymos Energia, Gerson Kelman, ex-presidente da Aneel, e Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e ex-presidente da Abrace.
O debate se inicia com a provocação de Rockmann sobre a existência de uma matriz ideal. Kelman argumenta que, embora não saiba defini-la, a metodologia atual de valorização das fontes energéticas não atende às necessidades básicas de segurança e modicidade tarifária. “Nós temos hoje um sistema que não leva essas duas propriedades”, afirma Kelman. Mello concorda e acrescenta que, além do custo, segurança e emissão de carbono também devem ser considerados.
A precificação dos atributos das fontes energéticas é um ponto crucial da discussão. Mello destaca a importância de reconhecer o valor de serviços ancilares, complementares que garantem o funcionamento do setor elétrico, como controle de tensão e frequência, tradicionalmente fornecidos pelas hidrelétricas sem remuneração adequada. “Elas não recebem nada por serviços ancilares que prestam”, ressalta Mello.
"Se não conseguimos desfazer as vantagens indevidas, seja para fontes de geração, seja para consumidores, a solução seria democratizar tudo. Precisamos encontrar uma maneira de distribuir essas vantagens para todos".
Jerson Kelman
Ex-presidente da AneelEdvaldo Santana aponta para a necessidade de uma mudança legal para que os custos de atributos como serviços ancilares e reserva de capacidade sejam repassados aos geradores, e não aos consumidores. “Por exemplo, a eólica e a solar foram vendidas em leilão, prometendo energia e potência. No entanto, elas só fornecem energia, não potência. Como, então, obrigar o consumidor que comprou ambas a pagar pela reserva de capacidade? Quem deveria pagar é quem vendeu a energia, e não quem a comprou”, critica Santana.
A necessidade de uma reforma no setor elétrico é consenso entre os debatedores. Kelman defende a simplificação do sistema, eliminando subsídios cruzados e privilégios. “Se não conseguimos desfazer as vantagens indevidas, seja para fontes de geração, seja para consumidores, a solução seria democratizar tudo. Precisamos encontrar uma maneira de distribuir essas vantagens para todos”, sugere Kelman.
Juliana Melcop ressalta que o modelo atual do setor elétrico, criado há vinte anos, precisa ser atualizado. “Precisamos de uma modificação legal. Atualmente, as diretrizes do setor não contemplam as necessidades atuais. Criamos um setor para solucionar um problema de vinte anos atrás, e ele atendeu bem àquelas expectativas. Mas hoje vivemos uma nova realidade e precisamos de uma alteração legislativa em todas as normas: lei, decreto, portaria e regulação”, pontua Melcop, explicando que o setor está trilhando um caminho para a reforma regulatória, o que, no entanto, demanda tempo.
"A metodologia atual de valorização das fontes energéticas não atende às necessidades básicas de modicidade tarifária. Além do custo, segurança e emissão de carbono também devem ser considerados”.
João Carlos Mello
CEO da Thymos EnergiaO crescimento da geração distribuída (GD) e a demanda por energia firme de data centers também entram no debate. Mello acredita que a GD e a demanda crescente por energia abrem espaço para todas as fontes, incluindo as renováveis. Kelman enxerga nos data centers uma oportunidade para equilibrar a oferta e demanda de energia, especialmente no Nordeste, onde há grande potencial de geração eólica e solar. “Datacenters podem ajudar a resolver muitos problemas”, pontua.
A necessidade de um planejamento integrado e independente de interferências políticas é outro ponto fundamental. Edvaldo Santana critica a falta de sinergia entre o planejamento e a operação do sistema. “Quem está com o problema na mão é o operador. Logo, jamais o planejador deve dizer a ele qual o nível de contratação de reserva de capacidade que precisa para operar. Para mim, essa decisão deveria ser do operador.
O planejamento, na verdade, mais atrapalha do que ajuda. É preciso repensar a dinâmica do planejador diante do cenário atual, pois não há mais como esperar dez anos”, afirma Santana. João Carlos defende uma maior integração entre planejador e operador, com foco na precisão das informações. “Quanto mais próximo da operação mais preciso é”, ressalta o especialista.
Jerson faz um alerta sobre a necessidade de se preparar para as mudanças climáticas e repensar o papel das hidrelétricas com reservatórios. Ele argumenta que a demonização das barragens precisa ser revista, considerando seus benefícios para a gestão de recursos hídricos. ” “Eu tenho uma leve esperança de que a demonização de barragens com reservatórios, em geral, não só no setor elétrico, possa começar a mudar, porque a humanidade, há 5 mil anos, enfrenta a questão da variação dos rios com os reservatórios, estoca o que está sobrando e depois usa quando está faltando”, conclui Kelman.
O episódio termina com a constatação de que a matriz elétrica ideal é um desafio em constante evolução, exigindo análises, planejamento e decisões estratégicas para garantir um futuro energético sustentável para o Brasil.
O videocast “Iluministas” é uma parceria VDE – Valor da Energia e do Instituto Pensar Energia. Reforça a importância de debates sobre energia no Brasil, unindo perspectivas que buscam transformar os desafios do setor em oportunidades para um sistema mais eficiente e sustentável.
Confira o episódio completo com Jerson Kelman e João Carlos Mello: