CONTA DE LUZ: O DESAFIO DE TORNÁ-LA DIDÁTICA AO CONSUMIDOR
Em entrevista ao VDE, diretor de Regulação da Abradee enumera desafios para o consumidor conseguir entender a fatura de energia, entre os quais rigidez em padrões da Aneel
O modelo de conta de luz definido em norma pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é rígido e impossibilita que distribuidoras possam modernizar e simplificar informações da fatura ao consumidor. A afirmação é de Ricardo Brandão, diretor de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), em entrevista ao VDE na semana passada. A entidade reúne 39 concessionárias de distribuição de eletricidade que atendem hoje mais de 86 milhões de clientes, que representam uma cobertura de 99,6% dos consumidores brasileiros.
Brandão, que foi membro do Conselho de Administração da Eletrobras, assessor especial do Ministério de Minas e Energia (MME) e já assumiu diversos cargos na Aneel, conta que há estudos sobre a modernização dos modelos da conta de energia e vê com bons olhos a padronização, embora possa engessar iniciativas de reformulação completa da conta. “Não é uma tarefa fácil. É uma ciência apresentar um conjunto de informações de maneira simples e didática”, afirma.
Ele explica que a diferença entre os modelos de fatura é pequena, com a possibilidade de a distribuidora ter alguma liberdade em um campo destinado para mensagens, no qual pode ser veiculada alguma informação adicional.
Brandão também é mestre em Direito pela Universidade de Stanford e graduado na área pela Universidade de Brasília (UnB). Ocupa ainda os postos de pesquisador do Grupo de Estudos em Direito da Energia (Geel/UnB) e de professor da área de Direito na UnB, IDP, UniCEUB e Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Confira a entrevista:
A conta de luz é didática ou complexa? Por que?
A fatura de energia tem modelo bem rígido definido pela Aneel. A liberdade de modernização ou simplificação é escassa, razão pela qual as faturas de diferentes distribuidoras acabam ficando muito parecidas. E, como a quantidade de informações obrigatórias é grande e o espaço físico é pequeno, as informações, às vezes, não ficam claras ao consumidor. O normativo é pensado para tornar a fatura didática e simples, mas o resultado prático nem sempre é esse.
"As distribuidoras têm obrigação legal e constitucional de arrecadar os tributos incidentes sobre a energia elétrica. Elas já repassam o ICMS antes mesmo de receber do consumidor"
Ricardo Brandão
Diretor de Regulação da AbradeeQuais as leis que estabelecem o que se deve informar na conta de luz?
O normativo que disciplina detalhadamente o modelo da fatura consta na Resolução Normativa ANEEL nº 956/2021, no Anexo XI. A Agência também é a responsável pela verificação da conformidade das regras.
Como funciona o recolhimento de impostos pelas distribuidoras?
As distribuidoras têm obrigação legal e constitucional de arrecadar os tributos incidentes sobre a energia elétrica, como o ICMS. Tão logo a distribuidora emite a fatura para o consumidor, já existe a discriminação do valor correspondente ao ICMS. Neste caso, a distribuidora precisa recolher o ICMS para o Fisco Estadual, independente do consumidor pagar ou não a conta. Ela já repassa o ICMS antes mesmo de receber do consumidor.
Outro tributo incidente na fatura é a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), que a distribuidora recolhe na tarifa e repassa para o município, quando há lei municipal instituindo o tributo. Trata-se também de uma obrigação constitucional (art. 149-A da Constituição).
Há ainda o PIS/Cofins, que a distribuidora repassa mensalmente nas tarifas e também é discriminado no modelo de fatura de energia. Neste caso, a distribuidora arrecada nas tarifas e repassa para a Receita Federal, dado que se trata de tributo da União. Importante destacar que a Aneel faz o cálculo da tarifa líquida, ou seja, sem inclusão de ICMS, Pis/Cofins e CIP. A distribuidora é mera arrecadadora destes tributos, recolhendo do consumidor e repassando para o Fisco federal, estadual ou municipal.
Como seria a conta de luz ideal?
Existem estudos sobre modernização dos modelos de conta de energia, mas hoje estão restritos pela padronização estabelecida pela Aneel. Claro que a padronização é positiva, por ter uma uniformização entre os Estados de um conjunto de informações. Contudo, este modelo padronizado engessa as possíveis iniciativas de reformulação completa do layout da conta. E não é uma tarefa fácil. É uma ciência apresentar um conjunto de informações de maneira simples e didática. Temos muito a aprimorar.
Há diferenças de cobranças entre as distribuidoras entre os estados?
Com relação aos modelos de fatura, a diferença entre elas é pequena. A distribuidora pode ter alguma liberdade em um campo destinado para mensagens, no qual pode ser veiculada alguma informação adicional.
Já no tocante aos tributos, a diferença entre os estados é a alíquota do ICMS. O PIS/Cofins é tributo federal, então a alíquota é igual para todos. A CIP tem valor e base de cálculo diferente em cada município.
Por fim, existem ainda as diferenças entre as tarifas das distribuidoras. Os valores mudam de acordo com a tipologia das redes e escala, composição das fontes de energia e incidência de encargos setoriais, que podem ter cobrança diferente por região do país.