Meio Ambiente

É PRECISO REGULAÇÃO AMBIENTAL ESTÁVEL PARA ATRAIR INVESTIDORES

Em entrevista, o professor da FGV Jaques Paes destaca que a governança ambiental no Brasil é frágil e inibe investimentos

Redação
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O Brasil, com seu vasto potencial para projetos sustentáveis, especialmente no setor energético, atrai olhares de investidores ao redor do mundo. No entanto, segundo o professor Jaques Paes, especialista em ESG e docente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a governança ambiental do país tem sido um obstáculo, desestimulando novos investimentos.

Em entrevista exclusiva ao VDE, Paes sublinha que crescimento econômico e proteção ambiental podem caminhar juntos — desde que o governo ofereça um cenário regulatório mais previsível e eficiente. Para ele, o desalinhamento entre planos estratégicos de desenvolvimento e as políticas ambientais vigentes cria uma barreira que afasta o capital estrangeiro e limita o avanço de projetos sustentáveis.

“A capacidade do Brasil para atrair investimentos em energia renovável e agronegócio é inquestionável. Contudo, nossa estrutura regulatória muitas vezes impõe barreiras difíceis de superar”, afirma Paes. Ele enfatiza que um ambiente regulatório estável e previsível, alinhado às melhores práticas internacionais e com processos transparentes, é essencial para garantir a segurança de quem pretende investir no país.

Para melhorar o ambiente de negócios, Paes defende um compromisso com a eficiência, previsibilidade e clareza nas decisões de órgãos reguladores, especialmente nos setores ambiental e energético. Essa mudança, segundo o professor, não só protegeria o meio ambiente, mas também reforçaria a posição do Brasil como um destino confiável para investimentos sustentáveis.

Leia a seguir a íntegra da entrevista.

  1. Como avalia a governança ambiental no Brasil? Existem fragilidades? Quais são as principais em sua avaliação?

A governança ambiental no Brasil apresenta diversas fragilidades que comprometem a efetividade das ações de conservação. Embora tenhamos uma legislação robusta em teoria, na prática estamos longe de alcançar os resultados desejados.

Ela envolve múltiplos atores públicos, cada um com seus interesses, valores e pesos distintos no processo de tomada de decisão. Isso cria um desequilíbrio de poder que afeta a implementação das ações de conservação ambiental.
Apesar de avanços tímidos nos últimos anos, ainda estamos longe de uma governança ambiental eficaz. A falta de tecnicidade na discussão do tema cria lacunas preenchidas por decisões políticas que resguardam interesses difusos e limitam a transparência e a participação pública.

“Embora haja esforços em direção à sustentabilidade, as políticas ambientais muitas vezes entram em conflito com as metas de crescimento econômico”

Jaques Paes

Professor de MBA de ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Um exemplo disso é a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que começou a tramitar em 2004 e foi aprovada na Câmara em 2021 e que ainda não entrou em vigor. Isso ilustra bem nossas fragilidades, como a falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo e a ineficiência na execução de políticas públicas.

Ilustra também a falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo, que sobrepõe competências e acarreta ineficiência na execução de políticas públicas. Além disso, mudanças frequentes nas normas e a falta de rigor na implementação das leis ambientais são problemas recorrentes.
Um dos princípios da governança é a equidade, que deve garantir que as decisões políticas levem em consideração os interesses e necessidades de todos e, em minha visão, estamos distantes disso, tanto na teoria quanto na prática.

Em resumo, a governança ambiental no Brasil enfrenta desafios significativos que precisam ser abordados para garantir a proteção eficaz dos nossos ecossistemas
 
2. Avalia que a governança ambiental está hoje alinhada com os objetivos estratégicos do país? Por que?

Há várias formas de abordar este tema. Por exemplo, se olharmos à luz do planejamento estratégico do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), podemos afirmar que sim, está alinhada. No entanto, sob a ótica do Ministério da Economia, que aborda o plano estratégico institucional, uma leitura possível é que não. A Estratégia Federal de Desenvolvimento (EFD) corrobora com esta leitura, uma vez que as três se tangenciam, mas quase não se tocam.

Em outras palavras, entendo que, atualmente, a governança ambiental não está completamente alinhada com os objetivos estratégicos do país. Embora haja esforços em direção à sustentabilidade, as políticas ambientais muitas vezes entram em conflito com as metas de crescimento econômico. A falta de integração entre os objetivos econômicos e ambientais dificulta a implementação de uma estratégia coerente que equilibre a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico.

O Brasil ainda tem um enorme potencial de se destacar em projetos sustentáveis, mas a ausência de uma estrutura governamental consolidada para esse fim impede que o país avance nessa direção. Portanto, é crucial que haja uma maior integração entre as políticas ambientais e os objetivos estratégicos para que o Brasil possa alcançar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

  1. O que seria necessário fazer para melhorar a governança ambiental no país?

Não há apenas uma resposta para essa questão. É necessário observar o contexto, o cenário e a influência política, ponderar os interesses e, talvez, redefinir a responsabilidade dos colegiados participativos.

Como exemplo, trago o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que, alguns anos atrás, teve uma redução do seu quadro, enfraquecendo a representatividade da sociedade civil, os setores produtivos e o respaldo técnico-científico do órgão. Esse movimento, em minha leitura, está na contramão do que é necessário para melhorar a governança ambiental no Brasil. A redução do quadro do Conama resultou em decisões menos inclusivas e menos embasadas tecnicamente, prejudicando a eficácia das políticas ambientais.

Apesar dos vários caminhos a seguir, uma sugestão para melhorar a governança ambiental no Brasil, seria a necessidade de uma alocação adequada de recursos financeiros e humanos, capacitação técnica dos profissionais e outras ações que promovam uma maior integração entre os setores de meio ambiente, energia e infraestrutura. Isso asseguraria que as políticas públicas conversem entre si e que mecanismos mais transparentes e participativos sejam desenvolvidos para a sociedade civil e as empresas. Por exemplo, a implementação de programas de capacitação contínua para profissionais do setor ambiental e a criação de plataformas de diálogo entre os diferentes setores podem ser passos importantes.

Em resumo, para melhorar a governança ambiental no Brasil, seria necessário aumentar a eficiência dos processos regulatórios, modernizar a burocracia e integrar setores e níveis governamentais. A participação ativa da sociedade civil e das empresas é fundamental para garantir que as políticas ambientais sejam eficazes e sustentáveis.

  1. Avalia que a governança ambiental brasileira hoje atrai ou afasta investimentos sustentáveis no país? Por que?

A governança ambiental brasileira, em sua forma atual, tende a afastar investimentos sustentáveis. A imprevisibilidade, a falta de transparência nos processos de licenciamento e regulamentação, e a insegurança jurídica são fatores que contribuem para isso.

O Brasil é um país com grande potencial de investimentos em projetos sustentáveis, principalmente nas áreas de energia renovável e agronegócio. No entanto, criamos algumas barreiras, por vezes intransponíveis. Portanto, criar um ambiente regulatório estável e previsível, além de garantir que os processos sejam transparentes e alinhados com as melhores práticas internacionais, é necessário para dar segurança aos investidores.

  1. Como avalia os prazos atuais de análise e liberação de projetos pelas agências ambientais?

Lentos, longos e ineficientes. Essa morosidade é uma das barreiras para o desenvolvimento de projetos estratégicos no país, pois cria incertezas, afasta potenciais investidores e influencia diretamente na análise de viabilidade de projetos, muitas vezes tornando-os mais caros.

Não podemos fugir ao fato de que as questões ambientais exigem uma avaliação cuidadosa, mas já foi mais do que provado que é possível otimizar os processos sem comprometer a qualidade da análise. A modernização da gestão dos órgãos ambientais é um exemplo. O uso de novas tecnologias e procedimentos padronizados, por exemplo, seria uma medida importante para otimizar os prazos e facilitar o desenvolvimento de projetos sem renunciar à responsabilidade ambiental.

  1. Qual a sua avaliação sobre a cooperação entre órgãos ambientais e agências reguladoras da área de energia (Aneel, ANP e ANM)? É adequada? Se não, isso atrapalha no desenvolvimento de projetos importantes do país e em seu desenvolvimento?

Penso que a cooperação entre órgãos, entre agências, e entre órgãos e agências, de forma geral, ainda é limitada e poderia ser mais bem estruturada. Dentro dos seus limites técnicos, suas atribuições se cruzam na segurança, meio ambiente e políticas governamentais, o que exige uma coordenação de ações nesses setores regulados.

Em 2020, foi recriada a comissão de resolução de conflitos das agências reguladoras, e um dos fatos geradores foi justamente a tentativa de melhorar a coordenação entre as agências; a Anatel (de telecomunicações) estava incluída, a ANM (de mineração) não. Mas isso por si só mostra uma inadequação e falta de coordenação entre as agências. Há pontos de sobreposição em suas atuações e, por certo, há pontos em que as responsabilidades das agências não chegam.

A falta de alinhamento entre os objetivos ambientais, a estratégia federal e os interesses energéticos, ainda mais quando a transição energética é pauta de todas as discussões sobre sustentabilidade, cria sim barreiras para o desenvolvimento de projetos estratégicos. Um funcionamento coordenado entre as agências, penso eu, posicionaria o Brasil em um outro patamar de desenvolvimento sustentável e competitividade no cenário internacional.

  1. Avalia que falta de pessoal e de orçamento dificulta hoje a atuação adequada dos órgãos ambientais?

Não tenho dúvidas de que a falta de pessoal e de orçamento dificulta a atuação adequada dos órgãos ambientais. No entanto, não é apenas isso; o exemplo do Conama que mencionei acima ilustra bem essa questão.

Por outro lado, é cômodo argumentar sobre a falta de orçamento e recursos humanos. A falta de recursos dificulta a atuação dos órgãos, não apenas os ambientais e não apenas no setor público. No entanto, é crucial avaliar outros fatores para termos uma noção real de onde reside a maior dificuldade de atuação.

Onde está o gargalo? Quanto é realmente necessário? Como esses recursos são utilizados? Quais são os planos e como as prestações de contas são feitas? Precisamos achar a pergunta correta, e não uma pergunta a partir de uma resposta pronta.

Recursos humanos e financeiros são entraves para o bom funcionamento de qualquer instituição, pois impedem a execução plena de suas atribuições, sejam elas legais ou não. Colocando a lupa nos órgãos ambientais, isso acaba comprometendo a fiscalização, a análise de projetos, a execução de programas de conservação etc. E isso, por vezes, gera uma sobrecarga que pode causar uma distopia na priorização. Por isso, é importante definirmos de forma clara as atribuições e responsabilidades de cada órgão e evitar sobreposições, como citei acima.

  1. No Senado tramita uma proposta (PEC 13) para transformar o Ibama e o ICMBio em instituições de Estado, com sistema de governança parecido com o das agências reguladoras (autonomia financeira, mandato para diretoria, aprovação de indicação pelo Senado). Avalia que essa medida pode ajudar a melhorar a governança ambiental no Brasil? Por que?

A PEC 13/2022, que propõe transformar o Ibama e o ICMBio em instituições de Estado, pretende aumentar a autonomia e independência desses órgãos. No entanto, essa transformação os torna mais passíveis de nomeações políticas para seus cargos de liderança, criando uma suscetibilidade a pressões externas, e isso – em minha visão – é dicotômico. Não que isso já não aconteça hoje em dia.

Penso que a criação de órgãos fortes não passa necessariamente pela criação de mais Estado. Há outros caminhos para fortalecer as instituições sem a necessidade de transformá-los em instituições de Estado, e isso passa pelo aumento da eficiência, transparência e capacidade técnica dos órgãos. É crucial implementar medidas rigorosas para garantir sua autonomia, como, por exemplo, estabelecer critérios técnicos para a nomeação dos dirigentes, baseando as nomeações em qualificação, e não em interesses políticos, processos seletivos transparentes com participação de comitês independentes e especialistas, mandatos fixos que não coincidam com o do presidente da República, implementar mecanismos de prestação de contas e auditoria garantindo transparência nas ações dos órgãos, dentre outros.

Confira os conteúdos da série de governança ambiental:

Projetos estratégicos são barrados pelo licenciamento ambiental

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