LANDAU: REFORMAS URGENTES PARA UM SETOR ELÉTRICO JUSTO E EFICIENTE
Economista alerta para as distorções do modelo do sistema elétrico, que precisa se adequar às exigências da transição energética sem sobrecarregar consumidores
Uma das principais preocupações da economista e advogada Elena Landau, especialista no setor elétrico, são as distorções que encarecem o custo da energia no Brasil, mesmo com custos de geração internacionalmente competitivos e uma matriz majoritariamente renovável, uma das mais limpas do G20. Com passagens pelo BNDES, pela Eletrobras e como conselheira de empresas como Eneva e Cemig, Landau critica a forma como o país conduziu a migração para o mercado livre, que considera “desordenada”. Segundo ela, se esse modelo não for corrigido, poderá gerar ainda mais custos para a população.
Em entrevista ao VDE, Elena aponta como principal desafio ajustar a regulação e a operação do setor elétrico, adequando-as às novas exigências da transição energética, mas sem sobrecarregar os consumidores. “Os incentivos para ampliar o mercado competitivo e o uso de renováveis intermitentes, que eram inicialmente justificáveis, acabaram estendidos por tempo demais, criando um desequilíbrio injustificável”, afirma.
Landau também critica a sucessão de erros que, em sua visão, elevaram o custo da energia no país, com destaque para a MP 579 de 2012, que, mesmo revogada, deixou marcas profundas no sistema e ainda afeta as tarifas atuais. “Para superar os desafios, é preciso deixar a política de lado e focar na técnica. Adiar uma reforma séria do modelo elétrico só vai aprofundar o paradoxo de termos uma matriz limpa, mas com uma transição energética cara e injusta.
“A Aneel, como outras agências, vem sofrendo do contingenciamento de seus recursos, muitas vezes sem uma diretoria completa, sendo desmoralizada pelo Executivo”
Elena Landau
Economista e advogadaDurante a conversa, Elena Landau se posiciona contra algumas medidas recentes do governo, como o programa Gás para Todos, que, segundo ela, interfere na formação de preços e afasta investidores. Ela também expressa preocupação com a falta de autonomia das agências reguladoras, que têm sofrido com cortes de orçamento e falta de pessoal. “A Aneel, assim como outras agências, está sendo desmoralizada pelo Executivo, o que enfraquece sua atuação”, alerta.
Hoje, Landau é sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados, colunista de O Estado de S. Paulo e integra conselhos como o da Fundação Fernando Henrique Cardoso. Confira os principais trechos da entrevista.
Quais os principais desafios do setor elétrico no cenário composto pela transição energética e migração para o mercado livre?
O principal desafio é ajustar a regulação e modo de operação para se adaptar às novas exigências, seja pelo desafio ambiental, seja o operacional e, acima de tudo, sem onerar desproporcionalmente os consumidores. Esse desafio não foi respondido a tempo. O país fez uma migração desordenada para o mercado livre e uma transição caríssima e regressiva, apesar da oferta de tantas fontes renováveis. Os incentivos dados para a ampliação de mercado mais competitivo, e para uso de renováveis intermitentes, que eram inicialmente justificados, geraram um grande desequilíbrio entre mercado livre ao serem estendidos por tempo de forma injustificável. As fontes intermitentes atingiram remuneração adequada rapidamente. Se inicialmente, algum incentivo fazia sentido, há muito deixou de fazer. Hoje, esses incentivos, mais geração distribuída, oneram as tarifas do mercado regulado de forma absurda, gerando uma regressividade grande entre consumidores de baixa renda versus de alta renda. É urgente que uma reforma do setor faça ajustes para impedir o aprofundamento desta distorção.
Na sua visão, qual o papel do gás natural na transição energética e como avalia a medida do governo Gás para todos?
O Decreto 1253/2024 mostrou que, em lugar de prestigiar a competição, o governo prefere intervir na formação de preços, definindo até percentual de reinjeção. Essas iniciativas afastam investidores e prejudicam empresas e consumidores.
Como vê também a participação das agências reguladoras nesse processo de transição energética?
No caso do setor elétrico, vejo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) atrasada nos ajustes necessários para uma tarifação mais justa, que leve em consideração atributos de cada fonte. Por exemplo, as hidrelétricas funcionam como uma bateria do sistema, permitindo a participação de intermitentes e não são remuneradas por este serviço. Há também uma certa passividade nos ajustes necessários, por exemplo, em geração distribuída. Mas, temos que levar em consideração que a Aneel, como outras agências, vem sofrendo do contingenciamento de seus recursos, muitas vezes sem uma diretoria completa, sendo desmoralizada pelo Executivo e, especialmente, pelo ministro de Minas e Energia, que ameaça com frequência fazer uma intervenção na agência, apesar da lei não permitir.
Além disso, houve uma usurpação de competência do órgão regulador pelo Legislativo, suscetível aos lobbies que vão eternizando distorções, desde os jabutis da Eletrobras (definindo quantidade e localização de térmicas à revelia do planejamento setorial) às sucessivas extensões de prazo para renováveis intermitentes.
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No Senado tramita uma proposta (PEC 13) para transformar o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes (ICMBio) em instituições de estado, com sistema parecido com o das agências reguladoras (autonomia financeira, mandato para diretoria, aprovação de indicação pelo Senado). Avalia que essa medida pode ajudar a melhorar a governança ambiental e a agilizar projetos estratégicos do setor de energia no Brasil? Por que?
Em primeiro lugar, não há sentido em se propor uma Emenda Constitucional para isso. O objetivo parece ser, unicamente, usar uma PEC para inscrever as carreiras como de órgãos do estado. Não se aprofunda sobre as instituições em si. Na proposta não há nada que garanta a melhoria da atuação dos órgãos, me parece mais uma demanda corporativa para garantir estabilidade em meio a mudanças que vêm sendo discutidas no âmbito de uma futura reforma administrativa. Só uma lei complementar pode trazer mais detalhes sobre mudanças que melhorem a atuação dos órgãos, os adaptando às novas tecnologias, como as de controle de desmatamento, por exemplo.
Como o Brasil pode superar os obstáculos para aproveitar vantagens comparativas, como a matriz elétrica limpa e a diversidade de fontes, e reduzir custos com energia?
Já erramos demais nos últimos anos. O custo de energia no Brasil é alto por vários motivos: encargos elevados, tributação, e falta de vontade política para tornar incentivos mais adequados. Há ainda subsídios em carvão, agricultura e excesso de incentivos para renováveis intermitentes. E ainda há falhas em políticas de demandas graves. Os governantes preferem passar todo o custo de um período de seca para preços e tarifas a organizar uma política de demanda correta para momento de escassez. Vemos isso desde 2008, e muito mais profundamente em 2014 e 2015, quando a MP 579 de 2012 criou distorções profundas em todo o sistema elétrico, gerando custos que afetam as tarifas até hoje. Para superar obstáculos, é preciso deixar a política de lado e usar a técnica. Quanto mais se adiar uma reforma séria do modelo operacional do setor elétrico, mais difícil será escapar deste paradoxo de grande oferta de fontes renováveis conviver com uma transição energética cara e injusta.