PROJETOS ESTRATÉGICOS SÃO BARRADOS PELO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Governo enfrenta desafio do descasamento da agenda estruturante com a da governança ambiental. Exemplo disso é o projeto da Margem Equatorial
O governo brasileiro enfrenta um dilema importante: conciliar o desenvolvimento econômico e a governança ambiental em projetos estratégicos para o país. Um dos casos mais emblemáticos desse desafio é o projeto de exploração de petróleo na Margem Equatorial, que, embora esteja sendo frequentemente associado à Amazônia, situa-se fora dessa região e distante da foz do Rio Amazonas. A localização exata, ao largo da costa norte do Brasil, levanta discussões sobre os reais riscos ambientais e a necessidade de avançar com iniciativas que podem impulsionar o crescimento econômico e a segurança energética do país.
Em maio de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) rejeitou um pedido da Petrobras para perfurar poços na Margem Equatorial. O órgão ambiental apontou que o plano de contingência da empresa não apresentava garantias adequadas para responder a eventuais acidentes, como um derramamento de óleo. Em resposta, a Petrobras recorreu da decisão e aguarda um novo parecer do órgão, enquanto representantes do governo federal defendem a liberação do projeto.
Para o governo, o desenvolvimento do petróleo na Margem Equatorial é visto como uma peça-chave para o futuro energético do país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que o Brasil não pode prescindir dos potenciais 14 bilhões de barris estimados na região, que podem se traduzir em novos empregos, receitas e investimentos. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reforçou que a exploração na Margem Equatorial deve ser vista como uma oportunidade de alavancar a produção nacional de petróleo em um momento em que o país busca reduzir sua dependência de combustíveis importados.
Desmistificando os riscos ambientais
Embora o projeto tenha sido alvo de críticas que destacam possíveis impactos ambientais, é importante esclarecer que a Margem Equatorial não está localizada na Amazônia e tampouco se sobrepõe a áreas de preservação críticas, como a foz do Rio Amazonas. A exploração está prevista para acontecer em águas profundas e distantes da costa, onde os riscos para ecossistemas costeiros e fluviais são mais mitigáveis. De fato, a tecnologia de perfuração e os protocolos de segurança evoluíram significativamente nos últimos anos, permitindo que as operações sejam realizadas de forma mais segura e com menor impacto ambiental.
A Petrobras, empresa com vasta experiência em exploração offshore, afirma que os padrões de segurança exigidos pelo Ibama serão seguidos à risca. Além disso, destaca que a indústria do petróleo no Brasil já atua com altos níveis de controle e monitoramento ambiental, o que pode ser adaptado para atender às exigências específicas desse projeto.
PEC 13 e a modernização do licenciamento ambiental
Em paralelo às discussões sobre a exploração na Margem Equatorial, tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 13 de 2022, que visa modernizar a estrutura do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e outras autarquias responsáveis pelo licenciamento ambiental. A PEC busca conferir maior autonomia ao órgão, transformando-o em uma instituição com características de agência reguladora, o que incluiria mandatos fixos para os diretores e processos de nomeação com critérios técnicos, sujeitos à aprovação do Senado.
“O Brasil tem imenso potencial para ser uma potência em economia verde, mas para isso precisamos de instituições ambientais sólidas, confiáveis e respeitadas internacionalmente”, afirmou a senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado e uma das signatárias da PEC 13. “Com a PEC, queremos garantir que o Ibama e o ICMBio tenham autonomia para agir, mesmo em contextos de pressão política, assegurando que a fiscalização ambiental continue sendo realizada de maneira técnica e responsável, independente do governo de plantão”, destacou a presidente da CMA.
“O Brasil tem imenso potencial para ser uma potência em economia verde, mas, para isso, precisamos de instituições ambientais sólidas, confiáveis e respeitadas internacionalmente”
Leila Barros
Senadora (PDT-DF)
Leila Barros acredita que a mudança é crucial para aprimorar a previsibilidade e a eficiência dos processos de licenciamento. Segundo ela, garantir estabilidade para os dirigentes e autonomia técnica permitirá que o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) possam planejar e executar suas ações com mais previsibilidade e qualidade. “Isso resultará em maior transparência e eficiência nos processos de licenciamento e análise de projetos, o que é fundamental para atrair investidores interessados em empreendimentos sustentáveis.”
Na avaliação do presidente do Instituto Pensar Energia (IPE) – uma entidade voltada ao debate e formulação de propostas de políticas públicas no setor energético, com foco em segurança energética, governança e transição energética –, Marcos Cintra, essa proposta de fortalecimento institucional do Ibama deve vir acompanhada de uma definição mais clara de diretrizes, orçamento compatível às atribuições e uma política de cargos e salários que valorize os servidores do órgão. Segundo ele, atualmente as agências reguladoras federais enfrentam desafios de falta de orçamento e de pessoal. “É essencial que essa transformação traga uma dotação orçamentária compatível com os desafios”, destacou Cintra.
De acordo com João Correa, Country Manager da TGS, empresa especializada em sísmica offshore, e diretor da Amcham Brasil RJ/ES, é essencial que o Brasil encontre formas eficientes de avançar com o licenciamento, sem comprometer a proteção ambiental. “Uma solução que vem sendo discutida é a criação de um Fundo Soberano da Margem Equatorial, administrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), semelhante ao Fundo Amazônia”, comenta.
Segundo ele, esse fundo poderia financiar medidas de conservação e desenvolvimento sustentável na região, garantindo que a atividade de exploração contribua para manter a floresta em pé e fortalecer a estrutura de fiscalização. Correa acrescenta que tal abordagem seria uma forma de transformar a exploração de recursos naturais em uma alavanca para o desenvolvimento sustentável, com benefícios econômicos e ambientais de longo prazo.
Impactos econômicos e oportunidade estratégica
A Margem Equatorial tem sido frequentemente comparada ao pré-sal devido ao seu potencial de reservas significativas de petróleo, o que pode representar um novo ciclo de crescimento para o setor energético brasileiro. Além de gerar empregos diretos e indiretos, a exploração pode aumentar as receitas públicas e fortalecer a balança comercial do país, especialmente em um contexto global em que a demanda por energia está em constante expansão.
Adicionalmente, o Brasil tem adotado compromissos ambiciosos com a transição energética, o que inclui o desenvolvimento de fontes renováveis e de baixo carbono. No entanto, a exploração de petróleo e gás continua sendo fundamental na matriz energética e no financiamento de iniciativas de sustentabilidade. O avanço na Margem Equatorial pode proporcionar recursos que, quando bem geridos, podem alavancar investimentos em tecnologias de baixo impacto ambiental e energias renováveis.
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Um licenciamento mais ágil, mas responsável
Diante do potencial estratégico da Margem Equatorial, há um consenso emergente sobre a necessidade de otimizar os processos de licenciamento no Brasil. A PEC 13 surge como uma tentativa de equilibrar a proteção ambiental com o desenvolvimento econômico, modernizando a governança ambiental para que projetos importantes não fiquem paralisados por entraves burocráticos.
No entanto, qualquer flexibilização nas regras de licenciamento deve ser acompanhada de medidas para garantir a segurança ambiental. As exigências de monitoramento contínuo, planos de contingência rigorosos e tecnologias de mitigação de impacto ambiental são componentes essenciais para garantir que a exploração de petróleo seja feita de maneira responsável.