Políticas públicas

CURTAILMENT: PESADELO OU ADVERTÊNCIA?

Especialista em energia afirma não ser razoável que os custos do corte involuntário de produção das usinas solares e eólica sejam repassados ao consumidor

LUIZ MAURER
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Muito se tem discutido nos últimos meses sobre como o corte de produção involuntário das usinas solares e eólicas (curtailment) tem afetado os resultados econômicos das empresas operadoras, com prejuízos concentrados em algumas delas. Diversos estudos tem quantificado este efeito. Os agentes tem pleiteado que o prejuízo seja assumido pelo mercado.

Este artigo oferece um ponto de reflexão e uma visão um pouco distinta sobre o problema. Convida um leitor isento a avaliar se a discussão vem sendo travada com objetividade e rigor técnico necessários. Ou vem sendo (legitimamente ou não) influenciada por interesses daqueles que estão sendo financeiramente impactados? Ou talvez uma combinação de ambos Como separar o joio do trigo nesta guerra de narrativas?

SÍNTESE DAS DISCUSSÕES

Os números de curtailment são elevados e crescentes. Por exemplo, a média de cortes de geração das usinas solares localizadas no submercado Nordeste saltou de 4,8% no mês de abril para 34,8% no mês de setembro. Para as eólicas do Nordeste, a média dos cortes saltou de 2,2% em abril para 18,1%, no pico da “safra” dos ventos. FSET calculou que os cortes de geração acumulados representaram R$ 711 milhões para usinas eólicas e R$ 165 milhões para usinas solares. Os números são muito elevados.

Ademais, existe também um problema de curtailment das usinas hidrelétricas, ainda em maior volume, em parte causado pela inflexibilidade das renováveis, fenômeno este que é igualmente desafiador. As hidrelétricas deixam de gerar energia turbinável e estão sujeitas a um funcionamento estilo “vaga-lume” para compensar a volatilidade da produção de renováveis. O curtailment das hidrelétricas ganha menos atenção na imprensa, talvez porque exista um mecanismo de rateio de lucros e prejuízos, o chamado MRE, o qual faz parte das regras de mercado desde 1997 e “socializa” lucros e prejuízos. Em não sendo possível otimizar o conjunto de recursos renováveis existentes, com frequência a geração térmica tem que ser despachada para prover a flexibilidade necessária, e por muitas horas. Todos estes elementos se somam aumentando o custo de energia ao consumidor.

Novas linhas de transmissão, já previstas, podem aliviar os cortes, mas há um receio de que não vão resolver o problema de forma definitiva. O curtailment veio para ficar. As usinas afetadas alegam não ter culpa pois não tem controle sobre o processo de despacho que é centralizado pelo ONS, o guardião do sistema, que busca lograr o mínimo custo com uma confiabilidade desejada.

Portanto, entendem os agentes que os custos de curtailment deveriam ser compensados, e que a forma mais “eficiente” de fazê-lo é repassando-os aos consumidores via mecanismos que já existem e que poderiam ser facilmente adaptados, via a assim chamada operação constrained on/off, recuperados via ESS. Existem países que tem reconhecido este problema e compensado as partes afetadas. [i] Logo, o Brasil deveria seguir estes exemplos, afirmam muitos agentes.

Os mesmos agentes entendem que as regras da ANEEL não reconhecem devidamente o mérito e a necessidade deste ressarcimento, o que tem levado a uma série de questionamentos e o início de um processo de judicialização, que pode levar a um imbróglio regulatório e jurídico.

A continuar assim, comentam alguns agentes, investimentos que estão no pipeline vão ser freados ou mesmo cancelados. Desta forma, a crise já existente do setor de renováveis, principalmente a da geração eólica, deverá se agravar.

Para facilitar o entendimento o, problema pode ser analisado em três dimensões:

a) Como chegamos a esta situação? Um bom diagnóstico é importante para identificar o problema e propor soluções sustentáveis.

Em ordem de importância, incentivos distorcidos levaram (e continuam levando) a sobre investimentos em usinas eólicas e solares, concentrados em um único submercado, no mesmo fuso horário, e muito distante dos centros de consumo. Para permitir o escoamento desta energia, o Brasil tem investido bilhões em transmissão. Muitos países tem também construído longas e caras linhas de transmissão porque o recurso renovável está distante do mercado, como é o caso da energia eólica no meio oeste americano e da energia solar na China. Não é o caso do Brasil. Há recursos em outras regiões, embora menos produtivos. A eficiência econômica deveria levar em conta um trade-of[i entre produtividade do recurso e custo de investimento em transmissão. Mas este último custo não é percebido pelo investidor. Este sinal foi emudecido o que levou a decisões de investimento distorcidas. Sobre investimento é um sinal de fumaça, indicando que curtailment irá ocorrer.

Os agentes alegam que há uma alocação inadequada de riscos sobre os quais eles não têm controle, e daí a lógica da compensação. Esta afirmativa precisa ser reavaliada com muita atenção, por não reflete a dinâmica completa do ciclo de investimento e operação. Em sua grande maioria, foram estes próprios agentes que decidiram investir e concentrar suas plantas onde o recurso era mais abundante, instalando quanta capacidade queriam, onde queriam e comercializando a energia com quem entendiam a preços bilateralmente negociados.

Esta seria a mais pura expressão de livre mercado, que todos almejam, e que deveria ter levado a uma solução eficiente na presença de incentivos corretos. Entretanto, não o levou. Não existe um sinal locacional de preços adequado do mercado (por exemplo tarifa nodal, ou LMP), tampouco um sinal correto do uso do sistema de transmissão. Existem subsídios cruzados entre os mercados cativo e livre, fomentando a expansão de capacidade e comercialização no mercado livre para “monetizar” esta imperfeição de mercado. Some-se a isto o fato de que a geração distribuída não é curtailed, concentrando os cortes na geração centralizada. [iii] Os efeitos perversos são aditivos, e todos seriam em grande medida previsíveis, considerando a evolução esperada da indústria. Da mesma forma, o ciclo de uma obra de transmissão é mais lento que o de implantação de usinas solares ou eólicas. E que existem questões de estabilidade de sistema, mesmo que as linhas estejam comissionadas a tempo. Nas matrizes de risco dos projetos deveria ter havido uma consideração por toda esta dinâmica. Não teria havido uma avaliação inadequada de riscos? Ou talvez na própria matriz de riscos foi assumido simplificadamente que haveria um fator mitigador para cobrí-los como por exemplo via geração constrained-off?

Não foi um comportamento de um agente apenas, mas de muitos deles. Com as devidas ressalvas, a crise imobiliária (sub-prime) com início em meados de 2007 nos EUA, mostra que coletivamente os atores podem errar em suas avaliações de risco. O crédito era concedido para compra de moradias a grupos de consumidores que dificilmente teriam condições de honrar seus compromissos. Não havia questionamentos pois os atores implicitamente assumiam que pelo fato de todos estarem procedendo da mesma maneira, esta deveria ser a forma correta. Ademais, havia instrumentos de gerenciamento de risco que deveriam ter funcionado. E se tudo desse errado existiria ainda um entendimento que seria jogada uma rede de proteção “bail-out” porque o setor era “too big to fail’. O governo americano interviu com uma série de medidas para estabilizar o sistema financeiro, incluindo o TARP (Troubled Asset Relief Program) e o ARRA (American Recovery and Reinvestment Act). A intervenção foi justificada porque havia uma preocupação, legítima, de uma corrida aos bancos, o que poderia ter efeitos catastróficos para toda a economia. O setor de renováveis no Brasil não tem o mesmo impacto macroeconômico, embora os efeitos de tarifas elevadas ou “bail-outs” caros impactem todos os consumidores.

A comparação serve para indicar que às vezes os atores erram coletivamente, mas que certos setores são muito importantes para a economia para serem deixados de lado. A solução para o problema de renováveis no Brasil não passa por um “bail-out”, como está sendo proposto, através de uma recuperação plena da geração constrained-off, mas sim de instrumentos de liquidez que permitam o setor elétrico a enfrentar períodos turbulentos que se avizinham.

Na ausência de sinais eficazes de mercado, o curtailment está gritando:

– “Parem de investir tanto e no mesmo lugar, onde o recurso é de fato mais produtivo, mas está distante dos centros de consumo. Há leis da física no transporte de energia em longa distância que não podem ser ignoradas”.

– “Não invistam tanto com base em incentivos distorcidos porque esta não é uma alternativa sustentável no longo prazo. Em algum momento esta bolha vai estourar”.

– “Eu não preciso tanto deste tipo de energia não controlável. O sistema necessita urgentemente de flexibilidade. Aumentar a matriz somente com fontes não despacháveis vai agravar o problema”

Parece que estes sinais não estão sendo ouvidos. Pelo contrário. Empresas estão dizendo que se não houver compensação, vão frear investimentos. Mas é justamente este o sinal que o “mercado “está transmitindo e que não está sendo ouvido. Ignorar este sinal seria equivalente a propiciar uma compensação geral e irrestrita, criando um círculo vicioso de mais investimentos, mais curtailment e mais compensações. É um exemplo livro-texto de moral hazard, onde os agentes se sentem protegidos quanto a seus riscos assumidos e agem de forma mais imprudente. O assunto é complexo demais para o consumidor médio entender que fará protestar pelo fato que vai pagar a conta.

b) As regras da ANEEL estão sendo aplicadas corretamente? E o comportamento do ONS de cortar algumas usinas mais do que outras é transparente?

Há que entender a gênesis deste processo. As regras básicas de mercado foram desenhadas lá no projeto RE-SEB em 1997. É útil investigar para entender a lógica da compensação. A expressão constrained on/off nunca chegou a ser traduzida. Na época, a lógica foi desenhada especificamente para as usinas termelétricas, e tinha o seguinte fundamento:

Pode existir uma diferença entre o despacho ótimo (calculado no day ahead) e o despacho real. Em sendo esta discrepância causada por um problema de transmissão (falhas, indisponibilidade) não previsto no day-ahead, não seria possível despachar uma planta eficiente, na ordem de mérito, resultando em seu corte (total ou parcial), o que se denominava constrained off. [iv]Para equilibrar o sistema, uma planta mais cara deveria ser despachada em outro local, a qual estaria constrained on. Haveria um “re-despacho” de usinas. Ambas usinas seriam compensadas pela regra colocada.[v]

Na época, obviamente não se consideraram as usinas eólicas e solares, mas pode-se imaginar que a uma lógica similar do constrained on/off se aplique hoje. [vi] Mesmo considerando que as eólicas e solares são despachadas assumindo-se um custo marginal zero, não gerar implica em um custo de oportunidade equivalente ao preço de PLD no sub mercado respectivo (seja para cumprimento dos contratos ou para venda de energia em base merchant). [vii] Esta é a visão da ANEEL, e corresponde à primeira categoria da Resolução Normativa 1.030/2022 a chamada indisponibilidade externa (REL), a qual seria compensável.

A segunda situação na tipologia da ANEEL é chamada “Cortes por razão de atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica (CNF), os quais não são compensáveis. Para avaliar a decisão da ANEEL, e à luz do princípio básico da compensação, cabe perguntar se na definição do despacho ótimo, (ex-ante) deveriam ser considerados os requerimentos de confiabilidade. A expressão “security constrained least cost dispatch” fala por si mesma. Deixa claro que o “security” faz parte da definição de solução ótima. Em não havendo mudanças repentinas no critério de confiabilidade entre o ex-ante e o ex-post, não há o que compensar. Logo, estende-se que a interpretação da ANEEL está correta.

Não existe aqui qualquer julgamento de valor se o ONS está operando o sistema de forma muito conservadora, com base nas informações que os agentes colocam a seu dispor. Entretanto, uma vez que o setor concorde com os padrões de confiabilidade e como estão sendo aplicados, curtailment por confiabilidade não seria compensável. Desafios de confiabilidade seriam também em grande medida previsíveis por àqueles que tomaram decisões de investimento. Mesmo com vultosos investimentos em transmissão, a física do sistema sugeriria que para manter a confiabilidade haveria curtailment.

A terceira situação colocada pela ANEEL (Cortes por razão energética, ou ENE), [viii] indica um curtailment motivado pela impossibilidade de alocação de geração de energia na carga. Esta situação não estava originalmente contemplada no mecanismo de constrained on/off mas parece a mais evidente para se afirmar que não é elegível para ser compensada. Se não há mercado não há o que compensar. A própria lógica ficaria desvirtuada porque não existe uma correspondente planta constrained on em outro lugar do sistema. Não há custo de re-despacho que deva ser compensado. Trata-portanto de um risco de mercado, o qual também poderia ser previsto pelos investidores em função dos subsídios à expansão de capacidade. E que se não foi previsto é claramente um risco do agente. As usinas solares são as mais afetadas, pois tem um pico de produção concentrado, pico este que coincide com a produção máxima das usinas MGGD. Isto leva naturalmente a um questionamento do porquê estas últimas não são curtailed. Ocorre uma canibalização entre as diversas fontes renováveis. Tecnicamente falando, grandes usinas remotas poderiam ser curtailed da mesma forma, até porque a maioria destas se localizadas no mesmo submercado das usinas centralizadas, e causam stress nos sistemas de transporte.[ix]

c) A situação tende a melhorar ou piorar no curto e médio prazo? E no longo prazo, quando novas grandes cargas entrarem no mercado?

No curtíssimo prazo, o fim da safra dos ventos deve aliviar o problema, o qual deverá piorar no ciclo subsequente. Há um alívio esperado propiciado pelo comissionamento de novas linhas de transmissão, mas o próprio setor não vê como solução definitiva. O que é mais interessante nesta discussão é que há um desejo expresso dos agentes em continuar investindo no mesmo lugar, com as mesmas tecnologias, produzindo uma geração não despachável, e sobrecarregando o mesmo sistema de transmissão. Os sinais (via curtailment) de que o sistema está saturado não estão sendo ouvidos.

A Prof. Joisa Dutra e este autor publicaram um artigo recente no FL Journal, [x] sugerindo que as renováveis têm que se reinventar, agregando valor e produzindo algo mais despachável. Mas os incentivos e perspectivas ainda não estão alinhados. Armazenamento em baterias, por exemplo, seria uma forma das usinas solares guardaram seu excesso (curtailed) e descarregarem em momentos de maior consumo, fazendo uma clássica arbitragem de preços. Ademais poderiam vender serviços ancilares valiosos. Mas porque atuar proativamente se há uma perspectiva que o governo irá fazê-lo instalando baterias e mitigando o problema de curtailment? Na verdade, os agentes são aqueles que deveriam estar “fazendo as contas” se investimentos em BESS seriam factíveis sob o ponto de vista privado. Desnecessário dizer, não faz sentido que o sistema invista em BESS para reduzir o curtailment de plantas que de acordo com a regulamentação atual não seriam compensáveis.

No longo prazo, Há uma grande esperança que com a emergência de novas cargas tais como eletrolisadores e centros de processamento de dados, se localizados no submercado onde a energia é mais abundante, o problema de curtailment poderá ser mitigado. Mas pode ser o contrário. O problema pode se agravar.

Isto porque estas cargas exigem (ou pelo menos há uma forte expectativa dos consumidores), que recebam fornecimento confiável, em uma base 24×7 e atendendo algum padrão de certificação de energia “verde”. Os eletrolisadores necessitam energia limpa para provar o baixo conteúdo de carbono no H2V e seus derivados, para poder chegar a mercados mais exigentes. A tendência aponta que os centros de processamento também querem ser “verdes”. Mais que isto, alguns já estão desejando um matching horário entre geração e carga, como apontado por Google. O próprio conceito de IREC está sendo revisado para ajustar-se a estas necessidades.

Ao assinar um PPA (ou na modalidade jurídica de auto-produção), estas cargas necessitam de uma “equivalência energética” entre seu consumo e a produção média das renováveis. Isto significa que uma usina eólica terá que investir 2,5 x sua capacidade e uma usina solar quase 4 x para compensar a alta sazonalidade e a intermitência. Este excesso de capacidade terá duas consequências:

A primeira, mais relevante para este artigo, será um brutal excesso de geração, superior à demanda da carga, em determinados momentos ou em determinados meses, agravando em muito o problema de curtailment, seja por razoes de confiabilidade ou mesmo falta de mercado para a energia excedente. É plausível supor que o curtailment incremental, isto é, aquele resultante das novas fontes que entrarem, seja superior ao curtailment médio. [xi]

A segunda, é que os custos de energia dos PPAs deverão embutir os riscos de não monetização da energia excedente (situação em que o preço de venda deve cair ou mesmo ser negativo), bem como da dependência da rede para a entrega de energia confiável em uma base 24×7. Estes custos parecem não estar devidamente incorporados nas análises que assumem que o Brasil terá condições de entregar as necessidades de uma carga 24×7 a um preço de aproximadamente US$ 20-25/MWh para solares e US$ 25-30 para eólicas. Este é um aspecto estratégico que os ofertantes de energia limpa e os grandes consumidores deverão levar em conta em suas análises de risco.

O QUE FAZER?

1) A tendência do curtailment é de crescimento. Pode haver padrão sazonal ou alivio com a instalação de novas linhas de transmissão, mas o ritmo de instalação de renováveis continua insensível aos sinais que o curtailment está transmitindo. Curtailment é uma forma de agregar alguma flexibilidade pelo fato das fontes renováveis como solar e eólica não seram despacháveis.

2) Empresas devem rever seus planos de negócio, ajustando-os à realidade do curtailment. Assumir que o mesmo será plenamente compensado – principalmente o resultante da falta de mercado – é mais uma aposta com significativo risco regulatório.

3) Entender que a busca da plena compensação pelo curtailment enfrentará uma forte oposição dos consumidores e seus grupos representativos, inclusive pela falta de embasamento técnico. Não vai ser uma venda fácil. Outras soluções terão que ser encontradas.

4) Analisar opções de hibridização – incluindo a instalação de baterias pelos agentes caso se mostrem economicamente viáveis para mitigar o curtailment não compensável.

5) Considerar a criação de um mecanismo de compartilhamento de riscos, estilo MRE, mas de natureza privada. Não se pode esperar que o ONS realize um corte homogêneo, pois isto sub-otimizaria o sistema. Logo, o mecanismo de compensação deve ser de natureza financeira.

6) Considerar curtailment da geração distribuída, mormente de grandes usinas de até 5 GW (uma jabuticaba brasileira). Há tecnologias disponíveis inclusive para a GD convencional, embora a granularidade implique em maior complexidade.

7) ANEEL e ONS deveriam considerar novos padrões técnicos para a geração VRE – como por exemplo inversores grid-forming, instalação mandatória de um mínimo de armazenamento localizado junto à geração para provimento de serviços ancilares básicos, como inércia, controle de tensão. Os Procedimentos de Rede deveriam ser revisados para novos empreendimentos.

8) Resposta da demanda deve ser parte das opções, tanto como tanto como recurso estrutural para agregar flexibilidade ao sistema como elemento de negociação com as cargas que hoje almejam um serviço contínuo com energia verde em base 24×7.

9) Entender que a instalação de novas cargas como eletrolisadores e centros de processamento não é uma panaceia para os problemas que o setor enfrenta hoje. Pelo contrário, pode resolver um problema e trazer outros. Há um desafio enorme em firmar uma energia intermitente e sazonal para atender às expectativas dos clientes que desejam uma energia verde em uma base 24×7. Implicara em sobrecapacidade, mais energia curtailed (ou sendo compensada por um baixo valor), preços de energia mais altos ao consumo, e maior dependência de rede crescentemente suja (e cara) devido à crescente geração termelétrica.

10) E possível “negociar” com estas cargas para se ajustarem às condições de oferta e demanda. Tecnicamente falando, algumas tecnologias de eletrolisadores podem modular parcialmente seu consumo em função da disponibilidade de renováveis e que isto pode reduzir os custos de energia, embora com um incremento do CAPEX unitario; Analogamente, os centros de computação podem prover resposta da demanda e alguns serviços ancilares. O Brasil tem que ser realista no que promete para atrair estas cargas e o que poderá de fato cumprir sem sobre onerar o consumidor cativo.

CONCLUSÃO

Uma análise técnica independente sobre o problema de curtailment mostra que não é algo novo, não foi inventado no Brasil e era em grande medida previsível. Tem a ver com o crescimento de renováveis intermitentes. Os riscos de alta concentração de duas fontes de geração de porte no Brasil em um mesmo submercado, longe dos centros consumidores, deveriam ter sido previstos. Os agentes, por livre e espontânea vontade, decidiram investir massivamente sob esta situação de risco, conhecendo os sinais perversos do sistema. Tudo indicava que haveria sobrecapacidade e canibalização entre renováveis. Não é portanto correto afirmar que os agentes não tiveram qualquer controle sobre a situação em que agora estão imersos. Eles ajudaram a criar esta situação.

O curtailment está dando sinais de alerta. Mas os projetos continuam sendo executados sob a premissa que o recurso hídrico é abundante, e que esta “grande bateria” vai ser capaz de absorver as variações de intra-diárias e sazonais das fontes renováveis. A situação dos reservatórios está cada vez mais crítica. O armazenamento médio equivalente hoje, de 6,5 meses, deverá cair para 5,5 meses em 2028, mesmo antes da introdução de grandes cargas como eletrolisadores e centros de computação. A caixa d´água está ficando relativamente menor. Contar com os reservatórios como grandes baterias que servirão para monetizar os excessos de energia é uma hipótese otimista, principalmente sob condições de crise.

A ANEEL está, em linhas gerais, interpretando corretamente a tipologia de situações que merecem ser compensadas via o mecanismo de constrained on/off. Em se examinando o ciclo de investimentos nos projetos, houve (e continua existindo) um risco que foi (está sendo) assumido pelos investidores. Os investidores tinham controle sobre este processo em termos de quanto e onde investir. Estes não podem se isentar totalmente das responsabilidades e alegar que o curtailment e um fenômeno exógeno, ou um “ato-do-príncipe” totalmente inesperado e fora do controle.

Seja pela razão que for, é inegável que o setor de renováveis está passando por um ciclo de boom-and-bust, e que as consequências serão negativas e não distribuídas de maneira homogênea entre os agentes. Existe uma série de medidas possíveis que podem aliviar o problema e criar as condições para uma expansão sustentável. Mas não é razoável supor que estes custos sejam repassados ao consumidor no melhor estilo “bail-out”. Outras formas criativas de engenharia financeira terão que ser idealizadas para lidar com o problema de maneira sistêmica.

Notas

[i] Esta afirmativa não pode ser generalizada. Nem todos os países compensam o curtailment e a forma de fazê-lo varia de pais para pais. Em alguns casos, os geradores estão ainda mais expostos a riscos, porque (i) existe precificação nodal e a compensação, quando aplicável, se faria pelo preço de energia do barramento correspondente e não do sub-mercado e (ii) em alguns power pools, o preço da energia pode ficar negativo.

[ii] O Brasil trabalha com um sistema de precificação zonal em quatro sub-mercados. Há apenas um preço em cada um deles. Logo, o preço de mercado (PLD do sub-mercado) não serve como critério para definir que usinas deveriam (ou não) ser cortadas. Na presença de Locational Marginal Pricing, (LMP), os preços de cada nó refletiriam todas as restrições de transmissão dentro de cada sub-mercado, e, portanto, os critérios de corte (e remuneração, quando aplicáveis) seriam mais transparentes. O ONS procura despachar o sistema levando em conta todas as restrições dentro de cada sub-mercado, o que leva obviamente a cortes não homogêneos, e mais reclamações dos geradores.

[iii] Isto faz com que o curtailment marginal de algumas usinas seja maior que o curtailment médio para o setor de renováveis como um todo.

[iv] Na ocasião, as usinas hidrelétricas foram excluídas porque se entendia que um MWh não gerado hoje (constrained off) estaria armazenado no reservatório para uso futuro. Ademais havia o mecanismo (bom ou mau) do MRE que dividia os lucros e prejuízos entre todos os agentes, evitando assim prejuízos individuais em prol da otimização do sistema.

[vi] Entretanto, a regra não estabelecia “franquias” de corte para fins de compensação, tal como a Resolução da ANEEL o faz.

[vii] Note que o fato de o Brasil ter tarifas por submercado e não por nó elétrico (LMP) superestima a compensação, quando aplicável. Os agentes não tem incentivos a localizar suas plantas onde os custos de congestão possam ser menores, pois as restrições de transmissão dentro de cada submercado não impactam no preço de liquidação e eventualmente a compensação financeira almejada. De qualquer forma, esta é a regra de mercado vigente.

[viii] A tipologia da ANEEL contempla apenas situações que seriam compensáveis via as regras de mercado. Atrasos no comissionamento de obras licitadas devem ser tratados no âmbito das penalidades dos contratos de concessão de transmissão.

[ix] O mérito de cortar a geração distribuída é debatível, embora existam soluções tecnológicas para tal (inversores inteligentes ou grid- forming), e que já vem sendo adotadas em outros países. Estes inversores permitem que o operador (uma distribuidora, por exemplo) execute controle de tensão no ponto de conexão.

[x] Por Luciano Costa. https://flj.com.br/opiniao/em-busca-de-uma-estrategia-sustentavel-para-as-renovaveis-no-brasil/

[x] Vários estudos de caso mostram que o curtailment pode ser inicialmente baixo por refletir a energia cortada levando em conta a produção de toda a base de ativos renováveis. Entretanto, o curtailment marginal pode ser muito superior. Por exemplo, na California, o curtailment médio é de 3%, mas se espera que o curtailment incremental seja de 9%.

Luiz Maurer é engenheiro e consultor, ex-especialista sênior de energia do Banco Mundial.

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