Políticas públicas

ELEIÇÃO AMERICANA: UMA ESCOLHA ENTRE DUAS VISÕES ENERGÉTICAS

O futuro energético não é uma escolha entre fontes fósseis e renováveis, mas um equilíbrio entre segurança, sustentabilidade e justiça social

Marcos Cintra
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Diante de desafios globais como as mudanças climáticas e a necessidade de crescimento econômico, os americanos escolhem hoje o seu futuro energético. As visões contrastantes entre democratas e republicanos sobre energia representam não apenas diferentes caminhos para os Estados Unidos, mas escolhas com implicações profundas para a segurança energética, a economia e a sustentabilidade global.

De um lado, a visão republicana, refletida na plataforma “Mandate for Leadership” do Projeto 2025, prioriza independência e segurança energética, com foco na exploração de combustíveis fósseis. Para os republicanos, petróleo, gás natural e carvão permanecem fundamentais para a estabilidade energética e a proteção contra flutuações de preços globais. Bernard L. McNamee, autor do capítulo sobre energia, argumenta que esses recursos são abundantes, acessíveis e devem ser explorados com menos regulamentação.

A proposta busca acelerar o licenciamento de novas infraestruturas de combustíveis tradicionais e energia nuclear, reduzindo o papel do Estado na intervenção e no subsídio às renováveis. McNamee critica as políticas energéticas da administração Biden, argumentando que elas criaram uma “escassez artificial de energia” e aumentaram os custos para os consumidores.

Os republicanos veem os subsídios às energias limpas e aos veículos elétricos como uma distorção de mercado, que inibe a competitividade das fontes tradicionais. Segundo McNamee, a simplificação das regulamentações na Comissão Federal de Energia (FERC) e na Comissão Nuclear (NRC) aceleraria o licenciamento de infraestrutura de combustíveis fósseis e nuclear, mantendo o foco na segurança energética. Sob essa ótica, a mitigação das mudanças climáticas deve ser equilibrada com o crescimento econômico, evitando pressões que possam comprometer a competitividade americana.

Em oposição, a proposta democrata, liderada por Kamala Harris, busca uma transformação profunda com metas ambiciosas para a descarbonização. Harris propõe que os EUA alcancem uma matriz elétrica 100% limpa até 2035, investindo pesadamente em energia solar, eólica e veículos elétricos. Para os democratas, o combate às mudanças climáticas é uma responsabilidade inadiável, mas também uma oportunidade para transformar a economia e criar milhões de empregos “verdes”.

A proposta inclui incentivos para facilitar a transição das empresas e consumidores para uma economia de baixo carbono, e enfatiza a necessidade de justiça ambiental, garantindo que os benefícios da transição energética alcancem comunidades vulneráveis, historicamente impactadas pela poluição. Na visão democrata, reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e ampliar as fontes limpas fortaleceria a segurança nacional, ao mesmo tempo que alinharia os EUA aos compromissos globais, como o Acordo de Paris.

O Brasil, com uma matriz energética majoritariamente renovável, tem a oportunidade de refletir sobre esses dois modelos e adaptá-los às suas próprias particularidades. O país deve considerar uma estratégia que valorize suas fontes renováveis sem abrir mão da segurança e da competitividade.

Marcos Cintra

Presidente do Instituto Pensar Energia

Cada abordagem oferece vantagens e desafios. A estratégia republicana promete energia mais barata e maior segurança no curto prazo, mas enfrenta críticas pela falta de ação climática, o que pode isolar os EUA e aumentar as tensões com parceiros comerciais focados em sustentabilidade. Além disso, o abandono de subsídios às renováveis pode atrasar o país na corrida tecnológica das energias limpas.

Por outro lado, a estratégia democrata propõe um investimento massivo em infraestrutura limpa e oportunidades na economia verde, mas o custo da transição pode elevar os preços de energia, prejudicando a competitividade. Além disso, a expansão de fontes intermitentes, como solar e eólica, exigirá uma infraestrutura robusta de redes inteligentes, geração termoelétrica e sistemas de armazenamento, essenciais para evitar falhas de fornecimento e manter a estabilidade do sistema.

Ambas as abordagens carregam riscos: a escolha republicana, conservadora em termos ambientais, pode perpetuar a dependência de uma matriz energética que muitos consideram insustentável a longo prazo. A opção democrata, ambiciosa e voltada para o futuro, impõe desafios econômicos e estruturais consideráveis, com potencial impacto nos custos de vida e na competitividade dos EUA.

O Brasil, com uma matriz energética majoritariamente renovável, tem a oportunidade de refletir sobre esses dois modelos e adaptá-los às suas próprias particularidades. Ao observar o dilema entre segurança energética e sustentabilidade nos EUA, o país deve considerar uma estratégia que valorize suas fontes renováveis sem abrir mão da segurança e da competitividade.

Uma lição importante é o fortalecimento da infraestrutura para garantir a estabilidade do sistema. Assim como os republicanos valorizam as fontes firmes nos EUA, o Brasil pode explorar o gás natural como energia de transição, garantindo o fornecimento nos momentos de baixa produção das renováveis.

Além disso, seria prudente o país incentivar a inovação tecnológica e o desenvolvimento industrial de baixo carbono, com foco na produção de equipamentos para energias limpas, reduzindo a dependência de importações. No contexto da justiça social, o Brasil também pode seguir o exemplo da proposta democrata, garantindo que a transição energética reduza desigualdades e beneficie comunidades vulneráveis, democratizando o acesso à energia e aos benefícios econômicos da transformação do setor.

Em última análise, a eleição americana evidencia que o futuro energético não é uma escolha binária entre fósseis e renováveis, mas sim uma questão de equilíbrio entre segurança, sustentabilidade e justiça social. Para o Brasil, o desafio é construir um modelo energético que não apenas atenda às necessidades do presente, mas também posicione o país como um líder global na transição energética, conciliando crescimento econômico, preservação ambiental e inclusão social. O caminho é complexo, mas ao observar essas duas visões energéticas dos Estados Unidos, o Brasil pode se inspirar para definir uma estratégia própria, adaptada às suas particularidades e aos desafios do século XXI.

 

Marcos Cintra é executivo do setor de petróleo, gás e energia. Jornalista pela Unicap, mestre em políticas públicas pelo IE-UFRJ e doutor em energia pelo IEE-USP, é presidente do Instituto Pensar Energia.

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