MATRIZ ENERGÉTICA: A DIVERSIDADE É SÁBIA
Presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS) afirma que é vital para qualquer país pensar no tema da segurança energética
Em recente encontro com especialistas em energia de todo o mundo, em Paris, fui perguntado sobre o blackout que paralisou o Brasil e atingiu 29 milhões de pessoas, em agosto do ano passado. Chamou a atenção de europeus e asiáticos como tantas pessoas ficaram metade do dia sem o fornecimento de energia. Fatos graves como esse, que colocam em xeque a segurança energética de um país, são noticiados no mundo inteiro e devem ser vistos como um grande alerta para os consumidores brasileiros. A visão simplista e radical que só consegue enxergar a desativação desordenada dos ativos fósseis como solução, não leva em conta a falta de compatibilidade da nossa rede com os novos sistemas de transmissão e distribuição de energia. O apagão do ano passado foi só uma amostra do que pode ocorrer se tivermos um sistema sem a segurança do backup das térmicas.
Além desse fator, a inserção de novas tecnologias, como a Inteligência artificial e a mineração de criptomoedas, demanda bilhões de acessos à nuvem, sobrecarregando a capacidade energética dos Data Centers e criando novos. Hoje, nos Estados Unidos, essas centrais demandam 4% da energia elétrica, podendo chegar a 9% em 2030. Atualmente, os Data Centers usam 1,2% da demanda global de energia elétrica, sendo 20 % na Irlanda. Existe ainda um crescimento no uso de carros elétricos. Todos esses números só aumentarão nos próximos anos e uma grande parte da sociedade dependerá cada vez mais de energia elétrica. Por isso, será vital para qualquer país pensar no tema da segurança energética.
Não se trata nem de manter a poluição dos fósseis e muito menos de eliminá-los. A questão é descarbonizar essas fontes (e todas as outras que emitam CO2) e aproveitá-las para garantir um sistema seguro, limpo e barato.
Fernando Luiz Zancan
Presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS)Como haverá maior penetração de fontes intermitentes, torna-se necessário estruturar sistemas com resiliência e viabilizar investimentos que assegurem a todos eletricidade 24 horas por dia sete dias por semana. Para enfrentar esse aumento de demanda, com os problemas de cyberseguranca e dos eventos climáticos extremos, deveremos ter sistemas robustos com todas as fontes gerando energia elétrica. A diversidade é sábia e nunca foi tão necessária como na questão energética no nosso país. Basta citar a operação contínua da Usina Pampa Sul, térmica a carvão que ajudou a segurar o fornecimento de energia do Rio Grande do Sul, durante a enchente em maio passado.
Por outro lado, sendo a eletrificação uma das formas de descarbonização, a discussão passa também por neutralidade tecnológica das formas de mitigação e da racionalidade do uso da energia. O aumento da eficiência energética, com a menor pegada de CO2 por energia gerada na economia como um todo, deve ser observado. Por isso, precisamos de uma visão holística e inclusiva, com fontes térmicas que ajudem a garantir a segurança do sistema. Essas fontes precisam ser descarbonizadas e ter um maior grau de flexibilidade para acompanhar a intermitência das fontes renováveis.
A grande discussão, então, não é sobre o fim dos combustíveis fósseis. É preciso discutir a composição de fontes diferentes e complementares, como renováveis intermitentes, associadas com as fontes firmes, como termelétricas a carvão, biomassa, gás e nuclear. A China está desenvolvendo esse conceito e, em Paris, tivemos a oportunidade de conhecer alguns projetos que já podem entrar em operação ainda este ano. Para dezembro, está prevista a inauguração do complexo renovável-térmico Longdang, com 10 mil MW de energia. Nesse projeto, estarão presentes as fontes eólica, solar e carvão, operando de forma integrada com captura e estocagem de 1,5 milhão de toneladas de CO2 por ano. Serão duas usinas de 1.000 MW, usando 10 milhões de toneladas de carvão por ano, o que representa quase o dobro da produção total de carvão no Brasil.
Acima de qualquer ideologia ou mistificação, a visão chinesa é orientada pelo pragmatismo, pelo mundo real, onde será cada vez mais importante buscar as tecnologias e garantir a segurança eletroenergética de um país em crescimento. No ano passado, os chineses sofreram com a estiagem, o que comprometeu a capacidade das hidráulicas em garantir o fornecimento de energia. Com um país em desenvolvimento e sem petróleo, que conta dramaticamente com a energia para crescer, todas as fontes contam e precisam ser utilizadas.
Não é muito diferente do Brasil, que também já enfrentou grandes estiagens nas últimas décadas – quando as térmicas ajudaram a salvar o sistema – e também depende do maior número possível de matrizes para garantir sua segurança energética. A grande e positiva diferença é que o país pode contar com todas as fontes. Por isso, precisamos ter políticas públicas adequadas e inclusivas que garantam energia para todos, por todo o tempo e no menor custo possível.
Somos um exemplo mundial de usos de fontes renováveis, mas precisamos ter uma visão racional, não ideológica e nem baseada em modelos e discursos eurocentristas. A polarização, que tanto mal fez à política brasileira nos últimos anos, em nada vai ajudar a questão ambiental e energética. Não se trata nem de manter a poluição dos fósseis e muito menos de eliminá-los. A questão é descarbonizar essas fontes (e todas as outras que emitam CO2) e aproveitá-las para garantir um sistema seguro, limpo e barato. O Brasil precisa seguir seu próprio caminho sem copiar modelos propostos por interesses nem sempre legítimos, pois no setor elétrico já fizemos o dever de casa e a transição energética é um fato.