Reforma Tributária

UM IMPOSTO SELETIVAMENTE DANOSO PARA ENERGIA, SOBRETUDO ÓLEO E GÁS

Em artigo, autores detalham os impactos econômicos sobre o Imposto Seletivo (IS) na extração de petróleo e gás

José Roberto Afonso, Geraldo Biasoto Junior e Murilo Viana
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Muito se tem falado sobre a neutralidade da reforma tributária, algo desejado pela sociedade brasileira. No entanto, é necessário aprofundar a avaliação técnica das alternativas em discussão e seus profundos impactos sobre a economia brasileira de hoje e do futuro. É o caso emblemático do chamado (erroneamente) Imposto Seletivo (IS) – quando a emenda constitucional de 2023 o caracterizou como um imposto corretivo.

O dito IS pode alterar de forma expressiva a rentabilidade dos projetos do setor de petróleo e gás natural. Como efeito, para um seletivo de 1% estima-se queda de 0,35 ponto percentual na taxa de retorno do investimento, o que afeta negativamente as decisões de aportar recursos no setor tanto por companhias situadas no Brasil quanto por estrangeiras. Do ponto de vista da transição energética, o tratamento dado ao gás natural causa espanto, por ser ele uma via privilegiada da transição.

O fato é que já havia um clima de incerteza na programação dos leilões de concessão de novas áreas de exploração. Esse clima fica agravado pelas discussões em torno da reforma tributária, que deixa o cálculo econômico do investimento, dos custos e do retorno financeiro turvo, acarretando postergações das decisões de inversões no setor brasileiro. Nesse contexto, outras áreas de potencial exploração no mundo ficam mais atrativas, frente à maior previsibilidade do investimento. Perde o Brasil investimento, renda e produção no futuro. 

Para além da etapa de investimento, o projeto já em fase operacional também sofre significativo efeito negativo, decorrente da deterioração do retorno esperado do investimento já realizado. Esse cenário de incertezas compromete a segurança jurídica dos projetos e resulta em demandas judiciais, dada a mudança das regras com as operações já em curso. Logicamente, a curva de produção nos próximos anos será afetada pela insegurança no investimento.

No caso dos campos maduros o problema é ainda mais grave. As margens de lucros são bem mais restritas, inclusive, por tal motivo, os royalties devidos na produção desses campos são atualmente reduzidos, como forma de estímulo ao investimento e à continuidade operacional das instalações. O imposto seletivo da forma como proposta na regulação da reforma tributária representará um grande choque de custos para este segmento, podendo inviabilizar a produção.

Os condutores da reforma estão tentando segurar a alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) pela ampliação do dito IS. Os setores prejudicados têm se mobilizado para barrar essa aberração contra uma reforma que sempre propôs tributar o valor agregado em vez do faturamento e das exportações. 

É tecnicamente incorreto incidir o imposto seletivo na extração de petróleo e gás. A Emenda n. 132/2023 estabelece que o imposto seletivo deverá incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A extração de petróleo e gás é uma atividade dentro da cadeia produtiva que ofertará, em momento posterior, um bem (combustível), e este sim estará sujeito a uma decisão de consumo.

De forma adequada, o texto constitucional foca na modulação da decisão de consumo e é pressuposto da reforma tributária a busca pela neutralidade sobre a produção e a corrente de comércio (importações e exportações). Do jeito que está, com o dito IS incidindo sobre a extração de petróleo e gás, haverá, na verdade, um desestímulo à exportação de petróleo, e um estímulo à importação de combustíveis acabados, com impacto negativo no meio ambiente. 

O petróleo é uma commodity global, com preço e demanda determinados internacionalmente. Com custos mais elevados, o petróleo brasileiro perde competitividade global. Ou seja, o Brasil perde emprego, renda, dólares e tributos. 

Com o combustível produzido no Brasil carregado do IS incorporado ao custo de produção, o custo estrutural do preço dos combustíveis deve crescer, pelo menos, 0,5%, quando instituído, e gerará perdas de exportação em petróleo de R$ 40 bilhões durante os próximos seis anos. Tal realidade não será a mesma para o combustível acabado comprado pelo Brasil no mercado internacional, já que não estará carregado de imposto seletivo.

Choca ainda o fato de que ao utilizarmos o combustível importado, o imposto seletivo premiará o combustível mais poluente: o petróleo brasileiro é um dos que apresenta menor intensidade de carbono no mundo, inferior à metade da intensidade de carbono média do petróleo negociado internacionalmente.

Devido a todas essas contradições, o chamado IS sobre a produção de petróleo e gás tem objetivo claramente arrecadatório, tendo em vista o temor de que a alíquota-padrão de IBS/CBS suba demasiadamente para garantir a atual arrecadação dos tributos que estão sendo extintos (PIS/COFINS, IPI, ICMS e ISS). Infelizmente, tal medida tem sido vista como um meio de compensar a escassez de recursos. 

Um imposto específico que visa a arrecadação e não desestimula o consumo final é flagrantemente contrário à EC 132/2023, cristalizada na Constituição Federal desde o final do ano passado. A inconsistência econômica e jurídica do chamado IS sobre o óleo o gás ameaça o dinamismo de um dos setores mais importantes da economia brasileira atual. A persistência no erro levará o país a um cenário de insegurança jurídica e consequente queda nos investimentos, na produção e na geração de riquezas. É de esperar que, com mais debates no Senado e no Congresso, seja possível corrigir rumos e resgatar e reforçar uma reforma tributária que realmente permita se aproveitar as oportunidades para investir mais em energia e no Brasil como um todo, de modo a promover seu desenvolvimento sustentável.

José Roberto Afonso Professor do IDP e do ISCSP/Universidade de Lisboa

Geraldo Biasoto Junior Doutor em Economia pelo IE/Unicamp

Murilo Viana Doutorando em Economia pela Unicamp

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