Transição Energética

MATRIZ ELÉTRICA TEM QUE SER DIVERSA, DIZ EX-SECRETÁRIO DE ENERGIA

Em entrevista, Armando Araujo, ex-secretário de Energia do Ministério da Infraestrutura, trata dos desafios para a transição energética e ampliação do mercado livre no país

Redação
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A matriz elétrica do futuro do Brasil tem que incluir geração nuclear, hidrelétrica, solar e eólica, e reservas, principalmente reversíveis. Essa diversificação de fontes é fundamental para se garantir a segurança energética, mesmo no cenário de transição, defende o engenheiro eletricista Armando Araujo, ex-secretário de Energia do Ministério da Infraestrutura. Com mais de 30 anos de experiência no setor elétrico brasileiro, Araújo foi também presidente da Eletronorte e membro do Conselho de Administração de Furnas, Chesf e Itaipu Binacional.

Em entrevista ao VDE, Araujo aponta desafios na transição energética no país, principalmente pela falta de planejamento e também pelos leilões que privilegiam o custo das fontes e não a efetiva segurança no abastecimento. “No fim, ganha quem oferece o menor preço de curto prazo, independentemente de transmissão, de reserva e da qualidade do fornecimento. Por isso, a toda hora estamos com alto risco (de apagões)”, afirma.

Em relação à expansão do mercado livre de energia no Brasil, o especialista destaca distorções nos custos pagos por consumidores cativos e os do mercado desregulado, como prefere chamar o mercado livre de energia. “A confiabilidade está sendo paga pelo consumidor cativo. Quando entra a térmica, esse consumidor é quem paga a conta, além de uma série de subsídios que muitos geradores, principalmente solar e eólico, ganharam. Esses geradores estão vendendo para o consumidor livre, mas é o consumidor cativo que paga por isso”, destaca Araujo.

Com 25 anos de experiência profissional no exterior, dos quais 19 no Banco Mundial, Araujo relata como se deu a implantação do mercado livre na Europa e nos Estados Unidos. Segundo ele, nos Estados Unidos, na geração de eletricidade há competição, mas a venda aos consumidores depende do modelo adotado por cada estado. “É importante ressaltar que, na energia elétrica, o preço maior da energia, na verdade, é resultante da geração. Então, tendo competição na geração, já se atinge o objetivo de diminuição de custos.”

Araujo, que também possui mestrado em Engenharia Elétrica pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, informa ainda que, dos dez estados americanos com preço mais elevado, sete são desregulados e os dez com custo inferior são todos regulados. “Ou seja, a tarifa média dos estados que têm regulação nos Estados Unidos é mais barata do que a média dos que não têm regulação.”

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Como você vê a expansão do mercado livre?

Não gosto muito do nome “mercado livre”. Existem dois tipos de mercado: regulado e desregulado. O mercado desregulado promove concorrência e, com isso, inovação. Os consumidores têm liberdade de escolher quem fornece energia para eles. Essa competição estimula a inovação e promove soluções mais adequadas. Afinal, o fornecedor tem que fazer algumas coisas para atrair os consumidores que não são mais confinados a comprar de um fornecedor único que existe no mercado regulado. Os defensores desse mercado dizem que isso incentiva o aumento de avanço tecnológico e é um catalisador para o desenvolvimento de soluções novas.

Quais os desafios para isso?

Ter um mercado totalmente desregulado no Brasil pode gerar incertezas para o consumidor residencial em relação à responsabilidade do fornecedor de quem ele compra. Além disso, a responsabilidade pela confiabilidade não é definida. Nos Estados Unidos, ela é definida nos mercados desregulados. Por exemplo, na Califórnia e no Texas, onde o mercado é totalmente desregulado, o fornecedor tem que fornecer energia dentro de um determinado nível de qualidade definido por um organismo que existe no governo central, que determina a qualidade da energia que todos devem fornecer.

Nos mercados regulados, pelo contrário, o objetivo maior é ter a confiabilidade priorizando a estabilidade no longo prazo, com preço definido pelo regulador. Os defensores desse modelo reconhecem que há um monopólio, mas dizem que, uma vez que você tem a competição na geração, os consumidores acabam sendo favorecidos.

Nos EUA, sete dos dez estados com os maiores preços são desregulados, enquanto todos os dez de menores custos são regulados, ou seja, a tarifa média dos estados que têm regulação nos Estados Unidos é mais barata do que a média dos que não têm regulação.

Hoje, no Brasil, há muitas distorções. O consumidor livre está pagando bem menos porque ele não arca com uma série de custos, como o problema da confiabilidade. A confiabilidade está sendo arcada pelo consumidor cativo. Quando entra a térmica, ele é quem paga a conta, além de uma série de subsídios que muitos geradores, principalmente solar e eólico, ganharam. Esses geradores estão vendendo ao consumidor livre, mas é o cativo que paga por isso.

“Ou o Brasil define se vai continuar botando só solar e eólica e, nesse caso, vai ter que contar mais com termelétricas, ou, então, hidrelétricas”

Armando Araujo

Especialista do setor energético

Que lições podemos tirar da implantação do mercado livre em outros países?

No mundo, a Europa  implantou um mercado desregulado em que qualquer consumidor pode comprar de qualquer fornecedor. Nos Estados Unidos, até 1990, existiam monopólios regionais, como existia também no Brasil. A partir desse período, a regulação não é central, é feita estado por estado. No entanto, tem uma regulação central do intercâmbio entre estados. Então, ficou definido que na geração há competição, mas a venda final aos consumidores depende de cada estado. É importante ressaltar que, na energia elétrica, o preço maior da energia, na verdade, é resultante da geração. Então, você tendo competição na geração, já atinge o objetivo de diminuição de custos. Dos 50 estados americanos, 16 estados implantaram desregulação e os outros 34 mantêm o mercado local regulado. 

Ainda sobre a experiência em outros países no mercado livre, eu publiquei um artigo sobre a experiência híbrida do Estado da Virgínia. Lá eles têm um sistema que tenta obter a vantagem dos dois mercados, com desregulação na geração, que permite competitividade nessa parte, que representa o maior custo da energia vendida. A responsabilidade pela confiabilidade, inclusive reserva de energia e reserva de ponta, é bem definida e é designada a um fornecedor de energia. Quem vende energia é responsável por vender essa energia com determinada confiabilidade. 

Todo mundo que vende energia lá tem que ser licenciado para vender energia e tem que ter responsabilidade para vender energia dentro de uma determinada qualidade. Então, se ele vende energia solar, ele vai vender durante o dia a geração que ele gera, mas de noite ele vai ter que comprar energia para fornecer aquela mesma energia, da mesma qualidade que ele vendeu durante o dia. Existe uma agência reguladora que não interfere muito, mas os critérios de confiabilidade tanto para geração, transmissão e o suprimento dos consumidores são definidos de forma clara. Tem também uma designação muito clara da responsabilidade para cada agente.

Além disso, há uma reserva operativa que maneja o planejamento do sistema, que no Brasil não existe. Aqui o planejamento é somente indicativo e, por isso, hoje temos uma capacidade de instalar duas vezes o mercado, mas vivemos tendo racionamentos ou possibilidade de risco de racionamento. Esse pool também faz o mercado da geração e, na distribuição, existem dois mercados: um para consumidores grandes que querem correr o risco de contratar direto e outro para os consumidores de menor porte, que não são especialistas em compra de energia, que compram da distribuidora local, com preço de energia regulado.

Diferentemente do Brasil, em Virgínia, a geração distribuída tem regras bem claras. Lá, para instalar um painel solar na sua casa, você tem que assinar um contrato com a companhia distribuidora. O painel tem que estar na sua casa, você não pode usar energia gerada pelo painel solar que está na casa de outra pessoa. Se você quiser vender geração solar para outros, você tem que se instalar como um gerador independente de energia renovável. E qualquer um pode comprar direto, inclusive residencial, pode comprar direto dos que vendem energia renovável. Mas ele tem que ter uma qualificação de fornecedor, atendendo à qualidade do fornecimento.

No contexto de transição energética, quais os riscos a serem considerados nesse cenário, em especial em relação aos combustíveis fósseis?

A transição energética tem a ver com o modelo. No caso do Brasil, nos leilões de energia, acabam que ganham somente as usinas de menor custo de investimento, que são a solar fotovoltaica e a eólica, que são intermitentes. Então, você tem que investir em outras fontes para dar garantia para elas, porque na hora que não tem sol, não tem energia, ou, na hora que para de ventar ou que vem uma ventania, a eólica para. Então, se você tem 100 megawatts de solar,  a noite você precisa ter 100 MW de outra fonte para atender o mercado, senão você não vai ter energia. O mesmo ocorre com a eólica. Na hora que vem uma calmaria, ela para de gerar, você tem que ter outra fonte para dar garantia. Além disso, ela não tem capacidade de seguir a carga. A carga varia a cada estante, e o mercado tem que ter capacidade para variar a geração instantaneamente para ser igual à carga.

As termoelétricas e hidroelétricas  têm essa capacidade. Na hora que você aumenta a carga, a frequência do sistema cai e essas usinas detectam essa diminuição de frequência e aumentam a geração e vice-versa. As usinas solar e eólica não têm essa capacidade.

Outro problema sério  para a transição energética no Brasil  é que não temos um planejamento determinado, só indicativo. No fim, ganha quem oferece o menor preço de curto prazo, independente de transmissão, independente de reserva, independente da qualidade do fornecimento. Por isso, a toda hora estamos com alto risco. O risco é menor por causa das hidráulicas. Mas, nos últimos dez anos, não construímos nenhuma nova hidrelétrica com reservatório. As que construímos nos últimos 20 anos foram hidrelétricas sem reservatório, com problemas para enfrentar variação de mais longo prazo.

Na agenda de adaptação às mudanças climáticas, qual o papel dos combustíveis fósseis?

Quanto à participação dos geradores a combustíveis, a tendência no futuro, se o mundo quer que não tenha emissões, é eles desaparecerem. Na maioria dos países, o carvão, embora ainda seja pesada a participação de carvão em alguns países, como os Estados Unidos, China e principalmente Índia, está diminuindo.

As usinas a gás natural hoje ainda são necessárias e ainda vão ser necessárias por um tempo. Isso por causa dessa intermitência da solar e eólica e por falta de um planejamento adequado. Nas últimas duas décadas,  gastamos mais, queimamos mais combustível  para gerar eletricidade em usinas térmicas do que nas duas décadas anteriores. Nessas duas últimas décadas, foi exatamente quando entrou solar e eólica no sistema. Ou seja, o fato de ter entrado solar e eólica, a intermitência delas fez com que usássemos mais termelétricas do que antes. Então, ou o Brasil define se vai continuar botando só solar e eólica e, nesse caso, vai ter que contar mais com termelétricas, ou, então, hidrelétrica.

Agora, o Brasil também não bota hidrelétricas reversíveis, que são uma solução para ajudar a complementar a solar e eólica. Mas nós não temos nem planejamento para isso. E no modelo que nós temos quem é que vai ser maluco de oferecer usina hidrelétrica ou usina reversível? Outra solução que o Brasil tem de considerar é a geração nuclear. Do meu ponto de vista, a matriz do futuro do Brasil tem que incluir nuclear, hidrelétrica, solar e eólica e reservas, principalmente reversíveis.

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